De Toiros
Um senhor na arte de correr toiros à corda
António Patrício foi dos pastores que mais marcaram o Século XX
Registado com o nome de António de Sousa Linhares, mas bem mais
conhecido no meio taurino por António Patrício, um nome de referência e
eternamente recordado pela afición, é o pastor que hoje, com justiça,
homenageamos, embora a título póstumo, pelo muito que contribuiu para o
engrandecimento da festa brava. Nasceu em 1927 e faleceu em 1996, com apenas 69
anos de idade. Natural e sempre residente na Terra Chã, exerceu a profissão de
lavrador; era casado com Emília Ferreira Linhares; foi pai de 3 filhos, dos
quais apenas o António Patrício C. Linhares é vivo.
Filho do antigo e muito conhecido ganadeiro Patrício de Sousa Linhares,
que teve gado bravo entre 1936 e 1956, António Patrício tinha vários irmãos,
dos quais dois foram também pastores – o Luís e o Jacinto Patrício. Era neto de
Emília Chorica (Corvina de nascença) ganadeira, no início do século passado e
sobrinho de Manuel Cardoso Chorica, da Terra Chã, afamado criador de gado bravo
na época. Vindo de tal família, António Patrício, tinha de ser um “homem de toiros”
e foi-o toda a sua vida, com destaque para os 40 anos que comandou a corda dos
bravos, nos arraiais taurinos nas ruas e caminhos da nossa Ilha.
Mas sem mais comentários, e por se tratar de um assunto bastante
curioso, interessante e sempre actual, vamos de seguida partilhar, com a devida
vénia e agradecimento, algumas passagens da entrevista que António Patrício deu
à ganadeira Fátima Albino Ferreira (CAJAF), há 22 anos:
CONTA-NOS ANTÓNIO PATRÍCIO: “Tinha eu 12 anos quando fui a primeira
vez à corda de um toiro. Minha avó Emília pessuía uns trinta e cinco toiros que
pastavam no Moçambique e na criação dos Boins. Naquele tempo iam os toiros a
pé, acompanhados por 14 ou 15 vacas até à freguesia onde seriam corridos. Era
uma trabalheira dos diabos. Manhã cedo já estavamos no mato a apartar, a trazer
o gado ao caminho e lá iamos percorrendo quilómetros sempre num “chouto”
apressado comandado pelo pastor da frente correndo junto da vaca de sinal. Tudo
tinha de ser bem feito e seguidinho para que os toiros não “tomassem tino” e se
tresmalhassem. Quando tal acontecia era uma canseira levada da breca e por isso
quase sempre traziamos cinco toiros para no caso de algum fugir, embora só se
corressem quatro”.
“Naquele tempo não havia gaiolas e a primeira de que me lembro foi
mandada fazer pelo ganadeiro José Diniz Fernandes, o senhor José Albino como
era conhecido, tinha rodas e era puxada por uma junta de bois. Usava-se para
fazer chegar aos arraiais os toiros mais difíceis, como por exemplo, o Boné que
era useiro e vezeiro em safar-se da tropa”.
E NUMA CONVERSA SERENA E POUSADA ANTÓNIO PATRÍCIO RECORDA: “A partir dos 17 anos
fiquei à frente da ganadaria de minha avó. Era muito novo mas tive mestres de
muito saber como o José da Lata e o José Pires que depois foi o pastor
principal da Casa Castro Parreira. Fui também maioral da ganadaria de meu pai e
quando este a vendeu ao Sr. José Diniz Fernandes em 1956, lá fui eu também e
estive na casa 8 anos.
Nesse tempo tive como companheiros homens valentes numa corda, como o
José Corvelo, meus irmãos Luís e Jacinto, o António Pequeno, o Luís Poeira, o
Chico 41 e muitos outros que sabiam o que faziam, defendendo e fazendo brilhar
o toiro que lhe era confiado”.
“Mais tarde, quando o Sr. José Albino, pai, vendeu o gado ao Sr. Manuel
Almeida Jr., fiquei a ajudar lá à frente na corda. Bons tempos”.
HAVERÁ MUITA DIFERENÇA ENTRE A MANEIRA DE TRABALHAR DOS PASTORES DO SEU
TEMPO E OS DE AGORA?
“Da noite para o dia. Os tempos eram outros. A vida do mato era muito
difícil e o mau tempo não tinha dó dos pastores que se erguiam pela madrugada e
trabalhavam todo o dia, ora no maneio do gado, ora a levantar paredes ou a
coçar silvado. O fato d’água era uma saca de lona, as botas eram sapatos de
pneus com atacas de coiro, o nosso jeep eram as boas pernas e o passadio umas
tapas de leite ou uns chicharrinhos que naquele tempo eram comida de pobre”.
13/11/1994 - Homenagem aos antigos pastores que serviram as três gerações das ganadarias Albinos. Na foto alguns dos homenageados, 1.ª fila da esquerda para a direita: Serafim (Pupu), António Patrício, Chico Marques, Jacinto Patrício e José Corvelo. 2.ª fila: Agostinho de S. Bárbara, Manuel Paulino, Paulino e os ganadeiros Fátima Albino Ferreira e António Ferreira
“Antigamente havia muito respeito pelos mais idosos e quando um pastor
mais velho falava era ouvido com atenção e procurávamos seguir as suas
indicações. Era até uma honra merecermos os seus conselhos. Hoje não é assim. A
rapaziada nova está convencida de que já sabe e de que agora tudo é diferente”.
“Talvez tenham razão nalgumas coisas. Bem sei que os caminhos de então eram
muito diferentes. Passou-se do macadame para o asfalto que não dá segurança ao
toiro e lhe lima as unhas até sangrar. Isto faz com que os capinhas d’agora
abusem desta insegurança e rodopiando com o toiro uma, duas, três e mais vezes
cansam-no e fazem-no estatelar-se”. “Hoje o pastor deixa que o capinha mande
mais do que ele na corda.
Dantes homens como o José Prosa, Chinelo, o Barrela, o Burra Branca e
tantos outros procuravam ajudar o toiro a fazer “bonitos”, sabiam brincar e
valorizá-lo. Agora é o contrário, o capinha só tem como objectivo
evidenciar-se, chamar para si as atenções em detrimento do toiro. Ora os
pastores antigos não gostam nada deste estado de coisas. Para eles o toiro é sempre
o rei da festa e dos reis, mesmo ruinzinho, não se faz pouco. Ah se os caminhos
fossem de terra havia muito menos capinhas...”.
E OS TOIROS FAMOSOS DESSES TEMPOS?
“Houve bastantes. Escolhiamos então os toiros conforme os arraiais. Uns
eram bons em caminhos estreitos e levavam tudo à sua frente, outros
defendiam-se bem nos lugares largos, outros ainda eram assim como especialistas
em guindar e limpavam ribanceiras e paredes. Lembro-me de alguns dos toiros da
nossa ganadaria que tiveram nomeada:
O Camarote, o Serralheiro, o Sapateiro, que veio do Sr. José Albino, o
Salgado, o Boné Velho, o Estrêlo que depois foi para a ganadaria do citado José
Albino, pai, e lá foi famoso.
Quando estive nesta ganadaria também haviam outros toiros importantes
como o Colosso, o Josézinho, o Mariazinha, o Chinelo e tantos mais”.
“Recordo-me também de algumas touradas em que, do primeiro ao último
toiro todos foram bravos, como naquela tarde na Serra da Ribeirinha em que se
correram o toiro da Velha, o Farinheiro, o Boné Pechinchinho e o Vareta”.
António Patrício foi um senhor na arte de correr toiros à corda, a sua experiência, o seu conhecimento profundo das características do animal que estava lá à frente amarrado, fazia com que, manobrando a corda e por pequenos sinais, o toiro fizesse aqueles brilharetes que tanto agradam aos aficionados e a este tipo de diversão. Um nome sonante e vivo na memória da grande afición terceirense! Um Pastor que marcou uma época ainda não ultrapassada!.
ANTÓNIO PATRÍCIO NO COMANDO DA CORDA, SEGUIDO DE JOSÉ MINISTRO E DE JOSÉ DA ROCHA, PAI DO MANUEL JOÃO ROCHA E IRMÃO DE JOÃO DA CÂNDIDA
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