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segunda-feira, 3 de abril de 2017

Do colaborador José Henrique Pimpão








De Toiros



Um senhor na arte de correr toiros à corda

António Patrício foi dos pastores que mais marcaram o Século XX


Registado com o nome de António de Sousa Linhares, mas bem mais conhecido no meio taurino por António Patrício, um nome de referência e eternamente recordado pela afición, é o pastor que hoje, com justiça, homenageamos, embora a título póstumo, pelo muito que contribuiu para o engrandecimento da festa brava. Nasceu em 1927 e faleceu em 1996, com apenas 69 anos de idade. Natural e sempre residente na Terra Chã, exerceu a profissão de lavrador; era casado com Emília Ferreira Linhares; foi pai de 3 filhos, dos quais apenas o António Patrício C. Linhares é vivo.

Filho do antigo e muito conhecido ganadeiro Patrício de Sousa Linhares, que teve gado bravo entre 1936 e 1956, António Patrício tinha vários irmãos, dos quais dois foram também pastores – o Luís e o Jacinto Patrício. Era neto de Emília Chorica (Corvina de nascença) ganadeira, no início do século passado e sobrinho de Manuel Cardoso Chorica, da Terra Chã, afamado criador de gado bravo na época. Vindo de tal família, António Patrício, tinha de ser um “homem de toiros” e foi-o toda a sua vida, com destaque para os 40 anos que comandou a corda dos bravos, nos arraiais taurinos nas ruas e caminhos da nossa Ilha.



ANTÓNIO PATRÍCIO trajando os pastores dos séculos XIX e XX respectivamente


Mas sem mais comentários, e por se tratar de um assunto bastante curioso, interessante e sempre actual, vamos de seguida partilhar, com a devida vénia e agradecimento, algumas passagens da entrevista que António Patrício deu à ganadeira Fátima Albino Ferreira (CAJAF), há 22 anos:



CONTA-NOS ANTÓNIO PATRÍCIO: “Tinha eu 12 anos quando fui a primeira vez à corda de um toiro. Minha avó Emília pessuía uns trinta e cinco toiros que pastavam no Moçambique e na criação dos Boins. Naquele tempo iam os toiros a pé, acompanhados por 14 ou 15 vacas até à freguesia onde seriam corridos. Era uma trabalheira dos diabos. Manhã cedo já estavamos no mato a apartar, a trazer o gado ao caminho e lá iamos percorrendo quilómetros sempre num “chouto” apressado comandado pelo pastor da frente correndo junto da vaca de sinal. Tudo tinha de ser bem feito e seguidinho para que os toiros não “tomassem tino” e se tresmalhassem. Quando tal acontecia era uma canseira levada da breca e por isso quase sempre traziamos cinco toiros para no caso de algum fugir, embora só se corressem quatro”.

“Naquele tempo não havia gaiolas e a primeira de que me lembro foi mandada fazer pelo ganadeiro José Diniz Fernandes, o senhor José Albino como era conhecido, tinha rodas e era puxada por uma junta de bois. Usava-se para fazer chegar aos arraiais os toiros mais difíceis, como por exemplo, o Boné que era useiro e vezeiro em safar-se da tropa”.



E NUMA CONVERSA SERENA E POUSADA ANTÓNIO PATRÍCIO RECORDA: “A partir dos 17 anos fiquei à frente da ganadaria de minha avó. Era muito novo mas tive mestres de muito saber como o José da Lata e o José Pires que depois foi o pastor principal da Casa Castro Parreira. Fui também maioral da ganadaria de meu pai e quando este a vendeu ao Sr. José Diniz Fernandes em 1956, lá fui eu também e estive na casa 8 anos.

Nesse tempo tive como companheiros homens valentes numa corda, como o José Corvelo, meus irmãos Luís e Jacinto, o António Pequeno, o Luís Poeira, o Chico 41 e muitos outros que sabiam o que faziam, defendendo e fazendo brilhar o toiro que lhe era confiado”.

“Mais tarde, quando o Sr. José Albino, pai, vendeu o gado ao Sr. Manuel Almeida Jr., fiquei a ajudar lá à frente na corda. Bons tempos”.



HAVERÁ MUITA DIFERENÇA ENTRE A MANEIRA DE TRABALHAR DOS PASTORES DO SEU TEMPO E OS DE AGORA?

“Da noite para o dia. Os tempos eram outros. A vida do mato era muito difícil e o mau tempo não tinha dó dos pastores que se erguiam pela madrugada e trabalhavam todo o dia, ora no maneio do gado, ora a levantar paredes ou a coçar silvado. O fato d’água era uma saca de lona, as botas eram sapatos de pneus com atacas de coiro, o nosso jeep eram as boas pernas e o passadio umas tapas de leite ou uns chicharrinhos que naquele tempo eram comida de pobre”.


                                                   

13/11/1994 - Homenagem aos antigos pastores que serviram as três gerações das ganadarias Albinos. Na foto alguns dos homenageados, 1.ª fila da esquerda para a direita: Serafim (Pupu), António Patrício, Chico Marques, Jacinto Patrício e José Corvelo. 2.ª fila: Agostinho de S. Bárbara, Manuel Paulino, Paulino e os ganadeiros Fátima Albino Ferreira e António Ferreira



“Antigamente havia muito respeito pelos mais idosos e quando um pastor mais velho falava era ouvido com atenção e procurávamos seguir as suas indicações. Era até uma honra merecermos os seus conselhos. Hoje não é assim. A rapaziada nova está convencida de que já sabe e de que agora tudo é diferente”. “Talvez tenham razão nalgumas coisas. Bem sei que os caminhos de então eram muito diferentes. Passou-se do macadame para o asfalto que não dá segurança ao toiro e lhe lima as unhas até sangrar. Isto faz com que os capinhas d’agora abusem desta insegurança e rodopiando com o toiro uma, duas, três e mais vezes cansam-no e fazem-no estatelar-se”. “Hoje o pastor deixa que o capinha mande mais do que ele na corda.

Dantes homens como o José Prosa, Chinelo, o Barrela, o Burra Branca e tantos outros procuravam ajudar o toiro a fazer “bonitos”, sabiam brincar e valorizá-lo. Agora é o contrário, o capinha só tem como objectivo evidenciar-se, chamar para si as atenções em detrimento do toiro. Ora os pastores antigos não gostam nada deste estado de coisas. Para eles o toiro é sempre o rei da festa e dos reis, mesmo ruinzinho, não se faz pouco. Ah se os caminhos fossem de terra havia muito menos capinhas...”.



E OS TOIROS FAMOSOS DESSES TEMPOS?

“Houve bastantes. Escolhiamos então os toiros conforme os arraiais. Uns eram bons em caminhos estreitos e levavam tudo à sua frente, outros defendiam-se bem nos lugares largos, outros ainda eram assim como especialistas em guindar e limpavam ribanceiras e paredes. Lembro-me de alguns dos toiros da nossa ganadaria que tiveram nomeada:

O Camarote, o Serralheiro, o Sapateiro, que veio do Sr. José Albino, o Salgado, o Boné Velho, o Estrêlo que depois foi para a ganadaria do citado José Albino, pai, e lá foi famoso.

Quando estive nesta ganadaria também haviam outros toiros importantes como o Colosso, o Josézinho, o Mariazinha, o Chinelo e tantos mais”.

“Recordo-me também de algumas touradas em que, do primeiro ao último toiro todos foram bravos, como naquela tarde na Serra da Ribeirinha em que se correram o toiro da Velha, o Farinheiro, o Boné Pechinchinho e o Vareta”.


António Patrício foi um senhor na arte de correr toiros à corda, a sua experiência, o seu conhecimento profundo das características do animal que estava lá à frente amarrado, fazia com que, manobrando a corda e por pequenos sinais, o toiro fizesse aqueles brilharetes que tanto agradam aos aficionados e a este tipo de diversão. Um nome sonante e vivo na memória da grande afición terceirense! Um Pastor que marcou uma época ainda não ultrapassada!.  

                                             


ANTÓNIO PATRÍCIO NO COMANDO DA CORDA, SEGUIDO DE JOSÉ MINISTRO E DE JOSÉ DA ROCHA, PAI DO MANUEL JOÃO ROCHA E IRMÃO DE JOÃO DA CÂNDIDA

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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