CARTAS PERDIDAS
A
esperança de haver materiais que nunca seriam conhecidos tem um motivo: foi
encontrada a transcrição uma carta de Pessoa a seu meio-irmão John, de 28 de
fevereiro de 1934. O documento não está na BNP e, até onde se sabe, tampouco
entre os papéis que a família do poeta ainda tem consigo em Portugal.
Também
foi achado na caixa o livro inédito "The Poet of Many Faces", uma
compilação, reunida por Jennings, de poemas em inglês escritos por Pessoa.
Tivesse saído, o pesquisador teria sido um dos primeiros a publicar a poesia
inglesa de Pessoa.
Como
homenagem ao trabalho de Jennings, o pesquisador argentino Patrício Ferrari,
especialista na obra inglesa e francesa do português, publica na "Pessoa
Plural" 25 poemas inéditos do autor –dois dos quais já haviam sido
transcritos por Jennings. O material já está disponível na versão on-line do
periódico.
"A
vida e a obra d Pessoa são um quebra-cabeça. Sabemos que há milhares de
documentos que não foram publicados. O acervo do Jennings ajuda a montar esse
quebra-cabeça", diz o brasileiro Carlos Pittella-Leite, pesquisador
bolsista da Universidade de Lisboa que foi o primeiro, junto a Patrício
Ferrari, a consultar a papelada.
Pittella-Leite,
editor convidado da "Pessoa Plural", que ajudou na transferência do
acervo para Brown, calcula que ainda deve demorar um ano para a instituição
fazer todo o inventário dos papéis. Só então se terá uma ideia mais exata de
tudo de inédito que há no espólio de Jennings.
Mesmo
que a caixa não tivesse documentos desconhecidos de Fernando Pessoa, a
descoberta ainda assim seria valiosa, por trazer as pesquisas de Jennings sobre
o autor português e as impressões do britânico sobre Portugal.
Um
diário do intelectual, por exemplo, conta o dia a dia em Portugal em 1968 -ano
em que o ditador António Salazar caiu. O documento ajuda a reconstruir a rotina
portuguesa nos meses que antecederam a derrocada do ditador.
A
descoberta dos documentos também permitiu determinar a autoria de um ensaio
sobre os heterônimos pessoanos em poder Manuela Nogueira, sobrinha do poeta
lusitano. Uma carta de Michael, outro meio-irmão de Pessoa, no qual ele dá
dicas a Jennings sobre um livro, sugere que o próprio pesquisador seja o autor
do ensaio.
O
britânico é mais um caso notório de estrangeiro que se desenvolveu uma relação
profunda com a obra de Fernando Pessoa, ao lado do mexicano Octavio Paz e do
italiano Antonio Tabucchi.
Jennings
-que, como Camões, perdeu um olho em batalha, ao lutar na Primeira Guerra
Mundial- descobriu o poeta, aos 70 anos, ao escrever a história da Durban High
School, escola na África do Sul onde Pessoa estudou na infância, entre 1899 e
1904. Mudou-se para Portugal a fim de estudar a obra do autor.
ÁFRICA DO SUL
A caixa com seus documentos estava na garagem de sua sobrinha, na África do
Sul. Os papéis foram encontrados quando ela se mudou de Joanesburgo para a
Cidade do Cabo. Como os filhos de Jennings queriam escrever a história da
família, eles os enviaram ao escritor americano Matthew Hart em Nova York.
Hart
procurou a Universidade de Brown para entender a importância dos documentos. A
instituição, por sua vez, foi atrás do colombiano Jerónimo Pizarro, hoje uma
das principais autoridades na obra pessoana. Pizarro pediu para Carlos
Pittella-Leite e Patrício Ferrari viajarem a Nova York para avaliar os
documentos.
"Esses
papéis ficaram fora de circulação por 23 anos. Fiquei surpreso ao ver como era
volumosa a quantidade de escritos sobre Pessoa, traduções, contos e as memórias
do meu pai", afirma o geólogo Christopher Jennings, filho do intelectual.
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