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domingo, 14 de janeiro de 2018

Os "monstros sagrados" nunca serão esquecidos - Homenagem póstuma ao padre Ferreira Moreno


A SENHORA DA LUZ E O PADRE JÚLIO


Segundo o testemunho de S.Lucas, inserto no capítulo 2 e versículos 22-24 do seu Evangelho, passados os 40 dias após o nascimento do Menino Jesus, e em cumprimento da lei mosaica, José e Maria dirigiram-se ao Templo em Jerusalém, (embora fosse permitido fazê-lo na sinagoga local em Nazaré), a fim de se submeterem às respectivas cerimónias da purificação do pai e da mãe, (embora a lei mosaica nunca menciona a purificação do marido, mas apenas da esposa), e concomitantemente a fazer a apresentação do bébé perante Deus, seguindo-se o resgaste através da oferta (no caso dum casal pobre) de um par de pombas ou pombos.



A celebração litúrgica deste evento toma lugar, anualmente, no dia 2 de Fevereiro, atingindo especial solenidade em determinadas localidades açorianas, onde Nossa Senhora é, popularmente, mais conhecida por outros títulos, todos eles revestidos em termos carinhosos, mas em piedosa referência à Festa da Purificação de Maria.

E assim temos, por exemplo, Nossa Senhora da Estrela como padroeira da Matriz da Ribeira Grande, na ilha de S.Miguel, onde igualmente encontramos a freguesia dos Fenais da Luz com Nossa Senhora da Luz, investida no seu manto de padroeira, que ainda se extende à freguesia da Luz na ilha da Graciosa.

Na consequência desta festa da Purificação, são atribuídas a Nossa Senhora outras invocações, tais como: Nossa Senhora da Expectação, da Esperança, da Boa Hora, do Parto, do Leite, etc.

Embora a representação mais comum, e mais conhecida hodiernamente, de N. S. da Purificação seja aquela que nos mostra a Senhora com o seu Menino, colocado quer nos braços quer nos joelhos... o certo é que, ANTIGAMENTE, ela aparece-nos representada com um seio entreaberto a amamentar o seu Menino!

Esta «cena» é, certamente, inspirada no texto evangélico de S.Lucas, (capítulo 11, versículo 27), onde se lê o seguinte:

«Enquanto Jesus falava, uma mulher de entre a multidão gritou e disse: «Abençoado o ventre que te trouxe e os peitos que te amamentaram!»

Daqui evoluíu, e tomou alento, a ideia de representar Nossa Senhora no «estado» de gravidez... sem o Menino, claro!

E dest'arte «nasceu» a imagem de Nossa Senhora de ventre volumoso, redondo e saliente, cabendo-lhe o título de «Virgem Paritura» ou Nossa Senhora Parturiante... título este totalmente alicerçado em textos bíblicos, remontando às profecias do Velho Testamento, apontando que a «Virgem conceberá e dará à luz um filho».

A este respeito, o Padre Júlio da Rosa, digno pároco da igreja de N. S. das Angústias, (Horta, Faial), publicou um bem elaborado artigo no «Correio da Horta» (24-Dez.-97), assinalando que, «esta visão humana da mulher (grávida) foi tomada receosamente como possível deturpação do divino; e assim foram retiradas dos altares muitas e valiosíssimas imagens medievais, em pedra, mármore, madeira e mesmo em telas e frescos, o que empobreceu grandemente o património cultural da Igreja e da Humanidade.»

Em Portugal - prossegue o Padre Júlio - «ou por pudicícia exagerada, ou por acharem grotesca a deformação do ventre, os eclesiásticos fizeram desaparecer muitas dessas imagens, enterrando-as nos adros, ou modificando as esculturas e alterando as telas e os frescos, com véus e outros arranjos pictóricos.»

Nos Açores, pouco ou nada temos de concreto acerca destas e semelhantes remodelações. Mas, nos finais do século 19, segundo a informação do Padre Júlio da Rosa, tivemos um bispo que, durante a sua visita pelas paróquias do arquipélago, «foi indicando e apontando algumas imagens que, menos artísticas ou deformadas se expunham, fossem retiradas.»

No entanto, reza a História que os primeiros povoadores flamengos, ao chegarem à Ilha do Faial, construíram uma pequena ermida, no vale da «Ribeira dos Flamengos», mesmo à ilharga da Grota da Senhora da Luz, e ali colocaram uma pequenina imagem da Virgem, que o Padre Júlio carinhosamente apelida de Nossa Senhora D'À Luz, aquela que em verdade «dá luz», e cuja intercessão era suplicada pelas primitivas mães parturientes, pedindo a graça duma Boa Hora p'ró parto dos seus «bébés» e futuros Açorianos!



Ó Mãe, se uma balança, como eu penso

Existe no teu mundo - a Eternidade -

Mãe! Põe dum lado o teu amor imenso

E do outro lado põe: a minha saudade.






Pe. José A. Ferreira 
San Leandro, Califórnia





Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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