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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Da Califórnia de João Bendito



DOCE DE TOMATE-DE-CAPUCHO

Nunca comi tomates de capucho. Talvez tenha provado algum, dado uma pequena dentadinha mas de certeza que não gostei. Se tivesse gostado, teria lembranças de os ter comido. Do mesmo modo que não como araçás. Nunca lhes criei o gosto. Ficava e continuo a ficar pasmado com a paixão que alguns dos meus amigos mostram quando lhes aparece pela frente um cestinho ou um prato dos amarelados frutos.

Sou um esquisito, diz quem me conhece bem. Outros frutos que fazem as delícias de muita gente não me levam ao paraíso, passo bem sem eles. Refiro-me a coração-de-negro, a papaias, manga, a pera-abacate... e outros mais que não me ocorrem agora. Talvez porque eram frutos que não apareciam em nossa casa durante a minha juventude. Não se assustem, eu gosto de frutas. Das mais comuns que enfeitavam a nossa mesa, eu não deixava o meu quinhão a ninguém. Principalmente melão (melancia é outro fruto fora da minha lista...), peras, maçãs, uvas, laranjas, pêssegos e mais uma cantilena deles. E figos, sejam pretos, verdes ou bico-de-mel, mesmo figos-de-banana, como agente dizia antigamente.
Portanto, já repararam que a minha esquisitice é moderada e selectiva. E nem abrange os doces e compotas. Não gosto de marmelos mas gosto de marmelada; Não me importo com amoras frescas mas consolo-me com doce de amora, daquele que a minha amiga Natália faz então nem se fala.
Tenho gosto em saber que, tal como antigamente, agora muita gente se dedica a fazer doces e compotas em casa. Alguns, por necessidade de amealhar uns trocos extras, outros simplesmente por que gostam de experimentar receitas e oferecer aos amigos. Ainda assim, as prateleiras dos supermercados estão atulhadas com frascaria proveniente de todo o mundo, com sabores exóticos a convidarem as pessoas a uma experiência diferente. A única fábrica que eu conheci de fazer doce, mais precisamente marmelada, era a dos meus vizinhos Ângelo e Bernadete “Larga-a-Mecha”, mesmo ao lado da nossa casa. Usavam uns caldeirões bem grandes, aquecidos com uns fogões Primus de tamanho gigante. Empacotada em caixinhas de madeira e coberta com folhas de papel vegetal, a marmelada era então vendida nas mercearias de toda a ilha. E bem gostosa que ela era, quem apanhasse agora um pouco, barrada num papo-seco. Para acompanhar, podia ser um pacotinho de amêndoas, das que os meus saudosos amigos também faziam. Bem, não faziam amêndoas, essas cresciam nas amendoeiras, eles cobriam-nas com calda de açúcar de sabores e cores diferentes
. A minha Mãe aventurava-se a fazer doce de frutas e não se saía mal. Era uma trabalheira medonha. Cortar tomates ou uvas, misturar açúcar, vigiar a cozedura, enfrascar e guardar para consumir ao longo do ano. Até os “piquenes” da casa ajudavam, cortavam pedaços redondos de papel vegetal para cobrir a boca dos frascos onde depois se derramava um pouco de cera derretida de uma vela, para garantir a frescura. E brigavam uns com os outros, a ver quem rapava as panelas....
No quintal da nossa casa, dependuradas nas paredes que nos separavam da casa da vizinha Nair e da casa do Francisco da farmácia, cresciam quantidades enormes de caiotas. Não tenho ideia de a Mãe fazer doce deste fruto, mas ainda parece que estou a sentir na boca o aveludado do pudim flan confecionado com as caiotas. É tal qual como eu disse acima, eu não era capaz de comer o fruto mas o pudim eu papava-o num abrir e fechar de olhos.


E doce de tomate-de-capucho, vocês já provaram? Há quem lhe chame Physalis, o que imagino deve ser o nome científico da espécie. Aliás, o tomate-de-capucho tem nomes diferentes conforme os lugares. Em Angola chamam-lhe matipatipa; no Brasil é camapu e mesmo nos Açores também lhe chamam capucha. Já vi por aqui, na Califórnia, nas bancas dos mercados de fruta, principalmente nos que servem a clientela latino-americana. A este primo do Physalis os mexicanos chamam tomatillo e usam-no em saladas, em molhos e nas famosas salsas picantes. De outras espécies da mesma família também se fazem doces e compotas.
Sei que há quem o faça e o vende, pelo menos no Continente português. Comercializado em embalagens bem desenhadas, com rótulos vistosos e apresentado em pequenas bandejas de cortiça, o doce de tomate-de-capucho está a ter boa aceitação, até porque os produtores tiveram o cuidado de o lançar no mercado com diversos sabores, resultado de misturas com outras frutas.
Estou agora à espera de uma amostra para poder atestar da qualidade do produto. A não ser que eu vá aqui à loja ao lado e compre uns quilos de tomatillos e me arme em doceiro gourmet.
Não sei se vai ser boa ideia, eu sou um cozinheiro bem fraquinho, nem sei fazer um ovo estrelado. Ou como diz a minha cozinheira-mestra, a tal que já nasceu de avental vestido, “Tu nem sequer sabes ver quando a água está a ferver!”
Lincoln, Ca. Junho 19, 2016
João Bendito


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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