Império da nossa criação
O meu passado afetivo encontra-se,
literalmente, entre os Quatro Cantos. Foi lá onde nasci e é também neste lugar
da freguesia da Sé que se encontram depositadas boa parte das minhas memórias
infantis, interrompidas abruptamente pelo sismo de 1 de janeiro de 1980.
São esconderijos de emoções que guardam
amizades que se tornaram vitalícias. Com os meus irmãos Mateus, Luís e
Guilherme, criei um mundo que, na infância, começava e acabava nos Quatros
Cantos.
À conta da brincadeira, fui índio, cowboy,
polícia, ladrão, joguei à macaca, ao pião e às escondidas sem nunca ter medo de
ser encontrado.
A pequena Travessa do Moreira, que então
parecia ter espaço para dar guarida a toda a ilha, servia de palco a jogatanas
futebolísticas que só acabavam com o aparecer da noite e sob a ameaça maternal
de puxões de orelhas porque o jantar estava a arrefecer.
A bola era de tudo menos de coiro. Com um
bocado de sorte de borracha ou plástico, caso contrário a malta contentava-se
com meias ou sacos de leite cheios de papel.
Os postes laterais das balizas (a barra ficava
por conta da nossa imaginação e conveniência…) eram traduzidos em pedras ou
peças de roupa dos jogadores.
Eu e os meus irmãos éramos presença constante
no recinto do jogo, até pela proximidade da nossa casa. O Jorginho, o Paulinho,
o Emanuel, o Chico, o Amadeu, o Zequinha, o João Paulo, o Orlandinho, o
Serginho, o Gilberto e os manos Medeiros, entre tantos outros que a memória já
não permite alcançar, preenchiam as duas equipas, em prélios cuja presença do
árbitro era totalmente dispensável (os maiores e mais fortes decidiam os lances
tidos como duvidosos…) e que podiam mudar aos seis e acabar à dúzia.
Em dias de maior azar e pontaria desafinada,
um vidro partido na vizinhança colocava em ação os dois polícias da vizinhança
– os agentes Fernando (meu padrinho de batismo) e Durval, vulgo Sabina.
Outra lembrança incontornável tem a ver com as
festas do Império dos Quatros Cantos. Nem sabia que as Sanjoaninas existiam!
Aquele era autenticamente o Império da nossa criação.
Era sempre um alvoroço assistir aos
preparativos e usufruir dos festejos. A Escola do Alto das Covas libertava, à
hora do almoço, os alunos da zona para o Bodo de Leite e brincar no palco
(podem crer que não é pieguice) fazíamos sentir quase tão importantes como os
adultos.
Depois, a iluminação trazia um mar de gente. O
algodão doce tinha de ser comprado e transportado por gente crescida até aos
mais pequenos para não ficar metade nas mãos comandadas por bocas gulosas.
Para uma meninice bem passada, não obstante as
privações próprias da época, o lugar dos Quatro Cantos encaixou na perfeição.
Foi como se tivesse encontrado um trevo de quatro folhas…
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