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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

terça-feira, 9 de maio de 2017

Do jornalista João Rocha




Império da nossa criação




                                                     





O meu passado afetivo encontra-se, literalmente, entre os Quatro Cantos. Foi lá onde nasci e é também neste lugar da freguesia da Sé que se encontram depositadas boa parte das minhas memórias infantis, interrompidas abruptamente pelo sismo de 1 de janeiro de 1980.


São esconderijos de emoções que guardam amizades que se tornaram vitalícias. Com os meus irmãos Mateus, Luís e Guilherme, criei um mundo que, na infância, começava e acabava nos Quatros Cantos.

À conta da brincadeira, fui índio, cowboy, polícia, ladrão, joguei à macaca, ao pião e às escondidas sem nunca ter medo de ser encontrado.

A pequena Travessa do Moreira, que então parecia ter espaço para dar guarida a toda a ilha, servia de palco a jogatanas futebolísticas que só acabavam com o aparecer da noite e sob a ameaça maternal de puxões de orelhas porque o jantar estava a arrefecer.

A bola era de tudo menos de coiro. Com um bocado de sorte de borracha ou plástico, caso contrário a malta contentava-se com meias ou sacos de leite cheios de papel.

Os postes laterais das balizas (a barra ficava por conta da nossa imaginação e conveniência…) eram traduzidos em pedras ou peças de roupa dos jogadores.

Eu e os meus irmãos éramos presença constante no recinto do jogo, até pela proximidade da nossa casa. O Jorginho, o Paulinho, o Emanuel, o Chico, o Amadeu, o Zequinha, o João Paulo, o Orlandinho, o Serginho, o Gilberto e os manos Medeiros, entre tantos outros que a memória já não permite alcançar, preenchiam as duas equipas, em prélios cuja presença do árbitro era totalmente dispensável (os maiores e mais fortes decidiam os lances tidos como duvidosos…) e que podiam mudar aos seis e acabar à dúzia.

Em dias de maior azar e pontaria desafinada, um vidro partido na vizinhança colocava em ação os dois polícias da vizinhança – os agentes Fernando (meu padrinho de batismo) e Durval, vulgo Sabina.

Outra lembrança incontornável tem a ver com as festas do Império dos Quatros Cantos. Nem sabia que as Sanjoaninas existiam! Aquele era autenticamente o Império da nossa criação.

Era sempre um alvoroço assistir aos preparativos e usufruir dos festejos. A Escola do Alto das Covas libertava, à hora do almoço, os alunos da zona para o Bodo de Leite e brincar no palco (podem crer que não é pieguice) fazíamos sentir quase tão importantes como os adultos.

Depois, a iluminação trazia um mar de gente. O algodão doce tinha de ser comprado e transportado por gente crescida até aos mais pequenos para não ficar metade nas mãos comandadas por bocas gulosas.

Para uma meninice bem passada, não obstante as privações próprias da época, o lugar dos Quatro Cantos encaixou na perfeição. Foi como se tivesse encontrado um trevo de quatro folhas…

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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