Dançar com o tempo
Ver cinema à borla
e aproximação das raparigas com a esperança num eventual namoro (suponho que a
intenção também teria cabimento em sentido inverso). Estas eram, regra geral,
as motivações que levavam, há três/quatro décadas, um rapaz a ingressar numa filarmónica
ou grupo folclórico. Aos olhos de um jovem atual, tudo isto deve parecer
disparatado.
E se fosse jogar com uma bola feita de meias
velhas ou um saco de leite? Apanhar canários e pintassilgos com uma telha?
Brincar aos polícias e ladrões, aos cowboys e índios, aos berlindes, saltar à
corda, atirar o pião, corridas em carros de ladeira e andar à apanhada?
O mundo, num espaço tão curto, mudou tanto.
Perdeu-se em fantasia, materializada na rua, ganhou-se em tecnologia, remetida,
muitas vezes, às paredes do quarto de cama ou sala.
Portugal tem mais telemóveis que população.
Estamos todos em rede.
Para quê ir tocar música com vista a alegrar
o coração? Pode-se, perfeitamente, dar corda à audição e visão nas várias
plataformas digitais, expoente máximo de um mundo globalizado.
E que tal beber pirolito em vez de um shot?
Já escrevi o suficiente para ser tratado por um careta.
Mesmo assim, vou arriscar mais um pouco.
Qual era a sensação de ver a televisão a preto e branco, sem controlo à
distância, até porque só havia um canal, no caso a RTP/Açores, com emissão a
partir das 18H30 e hino, para encerrar, por volta das 23 horas, ou ouvir
novelas através da rádio?
Este é um mundo que pode parecer da
pré-história, mas será sempre o meu mundo. Era tudo mais lento, com tempo para
o.… tempo, mas, de qualquer modo, tive muito gosto em ser cromo de uma
caderneta que o bolor não apaga da memória.
E, já agora, pela boca de gente de outras
gerações, posso recordar os bailes em que ganhar uma dança com uma rapariga
bonita, equivalia a ser o mais lesto de todos, destemido com o olhar
desconfiado da mãe (ou tia solteirona) protetora e ter uns trocos para investir
em chocolates que serviam para adoçar a paciência da dançarina pela noite toda.
A música de hoje pode ser mais ritmada, mas
ninguém tira o gozo de uma abordagem do género: a menina dança, tem par ou
descansa?
Meus jovens amigos, para desespero vosso,
isto já não vem no Google...
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