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485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Da Califórnia de João Benndito+Luciano Cardoso



MÍSTICA ÚNICA Luciano Cardoso

João bendito:Artigo do meu Amigo Luciano Cardoso, publicado na edição de 31 de Agosto do semanário “Portuguese Times”, de New Bedford, Ma, em referência à apresentação do livro “A Loja do Ti Bailhão”, já na próxima 5ª feira, 8 de Setembro, na sede do Grupo Amigos da Terceira, em Pawtucket, RI.

Longínquos vão já os belos tempos da minha mimosa juventude saboreada a gosto na ilha dos meus amores. A Terceira de Jesus, há quatro ou cinco décadas atrás, era um encanto para o doce lazer de qualquer rapazola, como eu, mais do que dado à boa vida. Motivos e atrativos não faltavam para a malta se sentir bem. Despreocupados, mesmo que o futuro ilhéu não se vislumbrasse lá muito prometedor, o presente sabia-nos às mil maravilhas. Maravilhosos, os meus Biscoitos ofereciam-me mar e sol de sonho com vinhinho do bom e camaradagem da melhor. Havia e ainda há quem goste de os apelidar de pitoresca capital do norte. Claro que é uma forma brincalhona de desafiar o sul, onde Angra brilha há séculos como cidade-mor da ilha e património cultural da humanidade.
Foi lá que me poli homenzinho de jeito. Ao abeirarem- se as minhas quinze primaveras natalícias, após ter passado a adolescência a estudar em Ponta Delgada, calhou-me prolongar os meus estudos em Angra do Heroísmo, então, coração cultural dos Açores. Durante quatro anos decisivos naquilo que hoje sou, tive o privilégio de habitar a ‘santa casa mimosa’, situada na Rua Duque de Palmela, número 33, mesmo em frente à feia sede da ranhosa PIDE pegada ao velho Palácio dos Capitães Generais. Se saísse a porta principal e virasse à esquerda, subia logo a empinada ladeira da Miragaia, onde morava uma das figuras mais castiças da cidade, o Ti João Bailhão. Quando saía à direita, para ir polir calçada na Rua da Sé, passava mesmo em frente a um dos estabelecimentos mais populares em toda a ilha – a Loja do Ti Bailhão.

Batizado João Machado Bendito, nasceu para plantar salutares sorrisos no rosto de quem com ele se cruzou ao longo da sua vida de respeitado comerciante. Foram muitos os milhares de açorianos, mormente terceirenses, que tiveram a sorte de conhecer o simpático Ti João ao balcão da sua loja típica e única no seu peculiar estilo de comerciar prazer entre as gentes da minha terra. Foi a última onde matei o bicho, na Terceira, antes de partir para a América nesta ‘imigramada’ aventura que se abeira já das quatro décadas. Nas vésperas de embarcar, tinha- me ido despedir de Angra quando, às tantas, um amigo da malta das horas vagas topou-me com um súbito “... eh pá, sempre vais embarcar?” Haviam-se-me esgotado as buscas de emprego, bem como as hipóteses de continuar a marcar passo na pasmaceira da ilha. O ‘salto’ estava à vista. O meu tristonho “embarco amanhã” respingou-lhe uma ideia feliz: “... então vou-te despedir ali de um lugarinho que te vai deixar saudades.” 
Acedi e lá fomos. “Bons olhos os vejam por cá. Os meus amigos de que é que tem mais desconsolo?” Não havia que saber. “O Ti João ainda tem aí umas lapinhas frescas?” A resposta vinha sempre com graça acrescida: “Isso nem se pergunta. Tenho-as sempre ali à sombra, fresquinhas como manda a lei.” Marisco para cima do balcão, ao gosto do cliente com pressa, e toca a pedir duas meias-bolas para começar. “Vinho de cheiro novo e do melhor. Veio dos Biscoitos. Trouxe-o o meu afilhado, José Chocalho.” O meu amigo piscou-me o olho satisfeito com a bela pinga que provámos em jeito de brinde imediato à boa sorte. “Veio mesmo a calhar para brindar aqui o nosso amigo biscoitense que embarca amanhã para a Califórnia.” Nisto, o simpático velhote parou e olhou-me com um brilho húmido nos olhos comovidos: “Não me diga?!!! Acabo de embarcar para lá um filho. O meu João foi-se-me no ano passado.” Levou a manga da camisa à face molhada por duas lágrimas atrevidas e arrematou para o meu colega meio engasgado com a cena: “... era o meu braço direito.”
Depois, encheu os copos com vinho novo e saudade indisfarçada: “O meu amigo, se o vir por lá, diga-lhe que o pai sente muito a falta dele.” Era só o que faltava – após cá ter chegado e trabalhado vários anos, lado a lado, com o meu bom amigo João Bendito partilhando gostosas conversas sobre o claro impacto do pai e da sua loja na vida terceirense de outros tempos – não manifestar todo o meu agrado pelo sucesso do livro, já na sua segunda edição, a ser lançado também por estas paragens, na noite da próxima quinta-feira, dia 8, no Centro Comunitário Amigos da Terceira, em Pawtucket, RI. De parceria com a pena habilidosa do seu irmão, Jorge, em saborosos textos de teor nostálgico, e contando com a preciosa achega de Álamo Oliveira e Tony Goulart, ‘A Loja Do Ti Bailhão’ promete continuar a cativar o coração da nossa boa gente desejosa de matar saudades duma figura ímpar em tempos que já lá vão. Trata-se de uma homenagem justa e oportuna à mística única que a alcunha Bailhão desperta no fundo da alma terceirense.
A meu ver, é obra a não perder.
San Leandro, Ca, 2015
Luciano Cardoso



Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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