MÍSTICA ÚNICA Luciano Cardoso
João bendito:Artigo do
meu Amigo Luciano Cardoso,
publicado na edição de 31 de Agosto do semanário “Portuguese Times”, de New
Bedford, Ma, em referência à apresentação do livro “A Loja do Ti Bailhão”, já
na próxima 5ª feira, 8 de Setembro, na sede do Grupo Amigos da Terceira, em
Pawtucket, RI.
Longínquos
vão já os belos tempos da minha mimosa juventude saboreada a gosto na ilha dos
meus amores. A Terceira de Jesus, há quatro ou cinco décadas atrás, era um
encanto para o doce lazer de qualquer rapazola, como eu, mais do que dado à boa
vida. Motivos e atrativos não faltavam para a malta se sentir bem.
Despreocupados, mesmo que o futuro ilhéu não se vislumbrasse lá muito
prometedor, o presente sabia-nos às mil maravilhas. Maravilhosos, os meus
Biscoitos ofereciam-me mar e sol de sonho com vinhinho do bom e camaradagem da
melhor. Havia e ainda há quem goste de os apelidar de pitoresca capital do
norte. Claro que é uma forma brincalhona de desafiar o sul, onde Angra brilha
há séculos como cidade-mor da ilha e património cultural da humanidade.
Foi lá que
me poli homenzinho de jeito. Ao abeirarem- se as minhas quinze primaveras
natalícias, após ter passado a adolescência a estudar em Ponta Delgada,
calhou-me prolongar os meus estudos em Angra do Heroísmo, então, coração
cultural dos Açores. Durante quatro anos decisivos naquilo que hoje sou, tive o
privilégio de habitar a ‘santa casa mimosa’, situada na Rua Duque de Palmela,
número 33, mesmo em frente à feia sede da ranhosa PIDE pegada ao velho Palácio
dos Capitães Generais. Se saísse a porta principal e virasse à esquerda, subia
logo a empinada ladeira da Miragaia, onde morava uma das figuras mais castiças
da cidade, o Ti João Bailhão. Quando saía à direita, para ir polir calçada na
Rua da Sé, passava mesmo em frente a um dos estabelecimentos mais populares em
toda a ilha – a Loja do Ti Bailhão.
Batizado
João Machado Bendito, nasceu para plantar salutares sorrisos no rosto de quem
com ele se cruzou ao longo da sua vida de respeitado comerciante. Foram muitos
os milhares de açorianos, mormente terceirenses, que tiveram a sorte de
conhecer o simpático Ti João ao balcão da sua loja típica e única no seu
peculiar estilo de comerciar prazer entre as gentes da minha terra. Foi a
última onde matei o bicho, na Terceira, antes de partir para a América nesta
‘imigramada’ aventura que se abeira já das quatro décadas. Nas vésperas de
embarcar, tinha- me ido despedir de Angra quando, às tantas, um amigo da malta das
horas vagas topou-me com um súbito “... eh pá, sempre vais embarcar?”
Haviam-se-me esgotado as buscas de emprego, bem como as hipóteses de continuar
a marcar passo na pasmaceira da ilha. O ‘salto’ estava à vista. O meu tristonho
“embarco amanhã” respingou-lhe uma ideia feliz: “... então vou-te despedir ali
de um lugarinho que te vai deixar saudades.”
Acedi e lá
fomos. “Bons olhos os vejam por cá. Os meus amigos de que é que tem mais
desconsolo?” Não havia que saber. “O Ti João ainda tem aí umas lapinhas
frescas?” A resposta vinha sempre com graça acrescida: “Isso nem se pergunta.
Tenho-as sempre ali à sombra, fresquinhas como manda a lei.” Marisco para cima
do balcão, ao gosto do cliente com pressa, e toca a pedir duas meias-bolas para
começar. “Vinho de cheiro novo e do melhor. Veio dos Biscoitos. Trouxe-o o meu
afilhado, José Chocalho.” O meu amigo piscou-me o olho satisfeito com a bela
pinga que provámos em jeito de brinde imediato à boa sorte. “Veio mesmo a
calhar para brindar aqui o nosso amigo biscoitense que embarca amanhã para a
Califórnia.” Nisto, o simpático velhote parou e olhou-me com um brilho húmido
nos olhos comovidos: “Não me diga?!!! Acabo de embarcar para lá um filho. O meu
João foi-se-me no ano passado.” Levou a manga da camisa à face molhada por duas
lágrimas atrevidas e arrematou para o meu colega meio engasgado com a cena:
“... era o meu braço direito.”
Depois,
encheu os copos com vinho novo e saudade indisfarçada: “O meu amigo, se o vir
por lá, diga-lhe que o pai sente muito a falta dele.” Era só o que faltava –
após cá ter chegado e trabalhado vários anos, lado a lado, com o meu bom amigo
João Bendito partilhando gostosas conversas sobre o claro impacto do pai e da
sua loja na vida terceirense de outros tempos – não manifestar todo o meu
agrado pelo sucesso do livro, já na sua segunda edição, a ser lançado também
por estas paragens, na noite da próxima quinta-feira, dia 8, no Centro
Comunitário Amigos da Terceira, em Pawtucket, RI. De parceria com a pena
habilidosa do seu irmão, Jorge, em saborosos textos de teor nostálgico, e
contando com a preciosa achega de Álamo Oliveira e Tony Goulart, ‘A Loja Do Ti
Bailhão’ promete continuar a cativar o coração da nossa boa gente desejosa de
matar saudades duma figura ímpar em tempos que já lá vão. Trata-se de uma
homenagem justa e oportuna à mística única que a alcunha Bailhão desperta no
fundo da alma terceirense.
A meu ver,
é obra a não perder.
San
Leandro, Ca, 2015
Luciano
Cardoso
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