Por Ferreira Moreno
O admirávelmente rejuvenescido
jornal "A União"publicou (10/Março/03) um excelente
artigo-reportagem, ao título Velha oficina de ferreiro vai virar
museu, que bem merece o devido acolhimento nesta série de lembranças, uma
vez que está a tornar-se mais evidente o declínio das chamadas
"profissões antigas" nas nossas ilhas.
É o caso dos ferreiros, por
exemplo. No entanto, a situação não se encontra irremediavelmente perdida, e
aparentemente não desaparecerá a presença dos ferreiros de antigamente. É
esta a mensagem que o jornal transmite e eu tenciono partilhar nesta ligeira
crónica.
O entrevistado é o terceirense
Raimundo Jorge Rocha da Silva, tem 33 anos d'idade, estudou até ao sexto ano
de escolaridade e, a par dos estudos, cresceu paredes meias com a oficina de
ferreiro e serralharia do pai, Jorge Ruben da Silva (de 73 anos).
Raimundo considera-se profissional na arte desde os 14 anos, e afirma que a
oficina já vem desde o tempo do seu avô. O seu filhinho, apesar de contar
apenas cinco anos, "já anda de volta da fornalha e da bigorna",
alimentando assim a esperança de mais uma geração de ferreiros e serralheiros
adentro da família.
Neste momento, porém, Raimundo
está a construir uma nova oficina na freguesia do Posto Santo (conselho
d'Angra), com melhores condições de trabalho e área comercial p'ra uso dos
clientes. No que diz respeito ás actuais instalações da oficina em São Bento
(freguesia urbana d'Angra), Raimundo está a recuperá-las, adaptando-as p'ra um
futuro museu e loja p'ra turistas.
Este projecto do museu
demonstra rara intuição e é digno de todo o carinho. Além de albergar muito
material antigo, o museu funcionará igualmente como oficina de ferreiro, pois
que contará com a presença dum profissional, vestido á moda antiga e
disponível p'ra satisfazer a curiosidade dos visitantes, interessados em
dialogar acerca de ferraria e serralharia.
Antigamente, mas muito
antigamente mesmo, como todos os outros oficiais mecânicos, os ferreiros
tinham a mesma organização geral e disciplina. Como tal, eram examinados,
ajuramentados e afiançados p'ra usarem do seu ofício. Mais ainda, tinham o
seu juiz e substituíam-no quando ele não podia desempenhar as suas
obrigações.
Uma prova da alta estima
atribuída aos ferreiros, temo-la nas leis regulando o corte da lenha. Onde e
quando era proibido cortar lenha, os ferreiros estavam isentos de tal
proibição e ficavam autorizados a fazer o carvão, que necessitassem p'ró seu
oficio.
Dei-me ao cuidado de procurar
saber quem seja o patrono dos ferreiros, e após consultar diversos livros
cheguei a conclusão ser ele Santo Elígio, mais conhecido simplesmente por
Santo Elói, cuja festa ocorre no primeiro dia do mês de Dezembro, e cujo
emblema principal é uma ferradura.
Teria ele nascido provavelmente no ano de 588 em Chaptelat, perto de Limoges
(França), tendo falecido a 1 de Dezembro do ano 660 como bispo da sé
episcopal de Noyon, onde repousam os seus restos mortais. O seu pai era
artesão e a sua primeira vocação foi a de ourives, mas há também quem diga
que ele ferrava cavalos. Uma narrativa lendária declara que o diabo, em forma
de mulher, entrou uma vez na tenda a tentá-lo, mas o santo "pregou-lhe
nas ventas" com brasas de carvão. Uma outra versão, igualmente lendária,
afirma que Elói agarrou da bigorna e apertou-a no nariz do mafarrico!
E após esta digressão
folclórica, vamos agora á cantoria...
Aqui cheira-me a pão mole,
Quem me dera ter dinheiro;
Tenho a barriga a dar ronco
Como um fole de ferreiro.
Esta minha garganta
Não é fole de ferreiro;
Se quer qu'eu cante,
Dê-me vinho ou dinheiro.
Ferros velhos, ferros novos,
Eu também já fui ferreiro;
Já tive amores de graça,
Agora nem por dinheiro.
O mestre ferreiro
Já não bate o ferro,
Que o filho mais velho
Roeu-lhe o martelo.
Quando olho p'ró ferreiro,
Dá-me vontade de rir,
Por ele ter a cara suja
E os olhos a luzir.
Senhor mestre serralheiro,
Faça-me uma fechadura;
Quero fechar minh'alma,
Que a tenho mal segura.
Hei-de mandar fazer
Uma cadeia ao serralheiro,
Com que prenda o meu amor,
P'ra me ser verdadeiro.
Eu hei-de mandar fazer
Uma chave ao serralheiro,
P'ra fechar o meu amor
Na gaveta do dinheiro.
E agora p'ra quem gosta de
advinhas, aqui vai esta: - Que semelhança tem um ferrador com uma
florista?
A resposta é óbvia - Ambos fazem cravos!
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