O horizonte do nosso fracasso
Crónica
Dizia Montaigne (penso que me fica bem citar Montaigne), quando as pessoas lhe perguntavam a razão de suas viagens: «sei do que fujo, não sei bem o que procuro». Revejo-me nesta ideia porque sempre achei que o verdadeiro horizonte das nossas vidas, aquele que nos move, não é o da aspiração, mas o do fracasso.
Temos sempre presente a imagem daquela colega de faculdade que se fechava no quarto às escuras, atrás de pesados reposteiros, daquele amigo hipercrítico que nunca arriscou fazer nada, da prima que todos os domingos ia ver o namorado a jogar futsal, da vizinha que, aos trinta anos, declarou com dramatismo que só voltaria a ter vida quando os filhos tivessem vinte (e até de ir tomar café à rua abdicou). E disto queremos fugir. Abrimos janelas no pino do Inverno (para deixar entrar a luz), tentamos deslumbrar-nos com as pequenas conquistas do homem comum, convertemo-nos a um amor próprio – cheio de manhãs de Yoga e de jejuns introspectivos – em que não acreditamos, dizemos não a todos os sacrifícios e concessões.
No fim de muitas destas nossas viagens, porém, não saímos do mesmo sítio, ainda que o olhemos de outro lugar.
Somos todos um pouco desse quarto escuro, desse desencanto crónico, desse jogo de futsal, desse martírio inútil. E talvez nunca consigamos ser tão condescendentes connosco próprios como somos cruéis com as impotências dos outros, o que nos torna banais. Há, contudo, uma sinceridade que me atordoa quando alguém me sussurra «eu tenho de fugir daqui»: ninguém me trata mal, mas eles deitam-se na cama à noite e dormem. E eu fico neste tormento.
Não se trata de uma fuga estética, não é a aventura de um Baudelaire no Oriente, de um Jack Kerouac pela estrada fora, de um Gauguin no Taiti, não é sequer o «I can’t mate in captivity» de Gloria Steiner em resposta a esse repórter da Newsweek que lhe perguntou, em 1984, por que razão não era casada. É um desconforto irreprimível, visceral, insaciável. O combustível da grandeza.
Quando temos vinte anos, atiramo-nos de paraquedas, nos Himalaias, e voamos. Aos quarenta (o paraquedas abriu-se), sentamo-nos na mesa do café da esquina, a ler. Algo nos diz, em surdina, que conquistámos o direito de sermos felizes.
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