JORNALISMO EM DESTAQUE

485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

sábado, 17 de novembro de 2018

Da Califórnia de LUCIANO CARDOSO



Quo Vadis/Ame’rica?

“Quo Vadis?” é o título clássico do famoso filme que vi, pela primeira vez, ainda puto da escola primária em lições simples mas significativas, como “a vida humana é sagrada” e “os beijos odeiam as balas”. Um filme que focava o amor e me permite adaptar a pergunta: “Quo Vadis, Dear América?” 
Quem de boa fé questiona, não creio que ofenda. “Para onde caminhas, minha querida América, com as balas a roubarem os beijos e as vidas a tantas vítimas inocentes? Quantos mais massacres serão precisos para que despertes duma vez por todas? São questões que me nicam os nervos abalados por tanta desilusão e amargura à mistura. Desiludido por uma sensata resposta que demora, amargurado porque dói mesmo a valer. Basta olhar para os rostos lavados em lágrimas dos pais que perderam filhos e vemos logo como a dor castiga, minha amiga. Sabes que te quero bem. Não vim para cá obrigado nem jurei bandeira à força. És a minha segunda pátria e terra mãe dos meus filhos. Quero-te muito mas não sei se aguento mais. O desabafo sai sincero – sinto o coração quebrado. 
Confesso-me um apaixonado do teu Dia dos Corações. Ou dos Namorados, se preferes. Acho a ideia feliz. Nunca é demais celebrarmos o amor, seja lá como for. Há quem deteste os exageros comercialistas e eu também concordo que o sentimento espontâneo não precisa de dias marcados nem tem horas preferidas. No entanto, porque me mantenho aluno cativo da escola romântica… nada como o aroma fresquinho duma flor formosa a despertar um ramo de sorrisos sem preço na face corada de quem muito se ama. Até a gente perde a fala ao perdermo-nos no beijo que odeia a ideia da bala. 
O teu Valentine’s Day deste ano, ainda há bem poucos dias, minha querida América, deixou que as balas assassinassem os beijos e as lágrimas murchassem as flores – por sinal, na tua linda Flórida – um contrassenso sem medida, um crime sem perdão – rajadas mortíferas ceifando vidas tenras – permitindo que o dia dedicado ao amor fosse manchado pelo veneno do ódio com letras maiúsculas em manchetes de primeira página por esse mundo fora – a desgraça viva da América e da sua explosiva paixão pelas armas de fogo letal. 
Mais um desarranjado mental, um jovem de 19 anos, farto dos revezes da vida, decidiu vingar-se com 17 mortes provocadas por outra poderosa metralhadora de guerra na escola donde fora expulso por perturbar a paz. Tudo isto planeado e disparado a sangue frio contra ex-colegas e professores que decidiram dar o corpo às balas em proteção instintiva dos seus indefesos alunos. Minha querida América, este filme de terror não é novo. Tal como o teu longo luto – de tiroteio em tiroteio, noutras escolas, teatros, arenas, concertos… enfim, não vou citar nomes nem números – o teu luto fala por si. 
Por mim, encosto-me à dor imensa dos teus filhos e filhas, famílias angustiadas perguntando por quanto mais tempo terão de ouvir os teus políticos falarem, falarem… mas nada fazerem de concreto para que este drama não nos torture tão amiúde. Sabes, é que as balas cada vez nos passam mais rente ao coração. Tenho dois filhos professores com alunos que temem este pavoroso cenário. E eu temo por eles. Como já temo também pelo meu neto que não tarda a abeirar-se da pré-escola. Acho que todos tememos. 
Ou será que nem todos tememos…? Será que nem todos choramos estas rudes tragédias com o mesmo nó no coração…? Temo que não. Como temo também que nem todos vejamos a urgência de nos desfazermos destes feios pesadelos fazendo chorar perdidamente todos esses políticos, com a alma vendida ao diabo dessas leis que redigem e dos lobbies que protejem, permitindo aos loucos darem cabo dos sãos assim… num abrir e fechar d’olhos. 
Temos que abrir os nossos porque assim não dá. Perdoa-me, minha querida América, mas enquanto não aprenderes a ensinar os teus filhos, os nossos netos (sabe-se lá se mais tarde congressistas ou senadores), tanto em casa como nas escolas, que o cultivo ameno das flores e dos beijos, a cultura básica dos corações tem de se sobrepôr à obsessão doentia pelas armas, vais continuar inevitavelmente mergulhada em luto com os teus políticos de carreira, como discos partidos, palrando sempre o mesmo e mais fraco. E eu, se ainda por cá estiver, mesmo fraquinho da voz ou trémulo das mãos, continuarei a clicar, com o coração partido: “Quo Vadis, América?”
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

Sem comentários:

Enviar um comentário