2º PRÉMIO LITERÁRIO NACIONAL DIAS DE MELO TEXTO DO ESCRITOR E JORNALISTA SIDÓNIO BETTENCOURT…
Uma palavra de saudação a Fernão Álvares Evangelho e ao seu cão; ao Frei Pedro Gigante que além da ermida de São Pedro que hoje celebramos trouxe – reza a história – e quando a história reza é sempre verdade- a famosa casta Verdelho e do saboroso néctar;
Saudar o meu amigo Engenheiro Roberto Silva e a sua vereação por manter viva a chama do imaginário em Dias de Melo;
E uma palavra de apreço ao Sr. Frenando Ranha da Ver-Açor Editores que não só agarrou em momento difícil a reedição da obra de Dias de Melo, como passou a ser um amigo e apaixonado pela sua personalidade, tudo tendo feito para que fosse cada vez mais viva a sua memória, como ainda agora constatamos.
Uma palavra para Dias de Melo e Ermelindo Ávila que estão sentados nesta primeira fila, como antigamente, como sempre.
Num espírito aberto de grande ternura, permita-me que e o trate, Professor, Dias de Melo, com todo o carinho na segunda pessoa do singular, porque singular é a tua voz, discreta, firme, determinada e determinante, no prolongamento desse eco que te persegue em nome dos baleeiros, do povo e da ilha, onde nasceste e dedicada e humildemente cedo projectaste ao mundo.
Vejo-te meu querido amigo Prof. Dias de Melo, sentado, contrafeito, um tanto desajeitado para este solene momento da entrega de um Prémio Literário Nacional com o teu nome, uma mais que merecida distinção que se repete e que assume a oficial confirmação do que há muito nós, leitores, amigos, das ilhas e do mundo, havíamos consagrado.
Dias de Melo, é um escritor com obra feita.
O seu nome foi construído paulatinamente com trabalho, muito trabalho, sacrifício, talento, e uma grande disponibilidade para vencer o desencanto, a frustração e todas as contrariedades que afectam o domínio puro da criação.
Dias de Melo, é um escritor conhecido e reconhecido.
Com ele se aprende a derrubar fronteiras, a reinventar novas ilhas, outros continentes.
Com ele se percebe que a ilha pode ter o tamanho do lugar e do mundo sem nunca perder o seu mais verdadeiro e genuíno sentido de origem.
Com ele a ilha não é só olhar contemplativo e desvanecido; é, também e sobretudo, dialéctica político-social e uma poética de sabor etnológico.
Dias de Melo, é um escritor versátil, completo: poeta versejador, cronista, contista, romancista, historiógrafo, etnógrafo, teatrólogo e se me permitem, puxando a brasa à minha dama, homem dos jornais e revistas, na boa tradição do jornalismo português.
Imensos os títulos que escreveu. Mas serão inesquecíveis nomes como Toadas do Mar e da Terra, Mar Rubro, Pedras Negras, Mar Pela Proa; Na Noite Silenciosa- com excelentes poemas de Natal – e a trilogia “ Na Memória das Gentes” que só tempo histórico avaliará do alcance e profundidade da investigação feita, assente na difícil tarefa de recolha oral e sua reconstituição literária.
E deixo propositadamente para o fim, entre muitos outros que poderia citar, Cidade Cinzenta – exemplo acabado de como um olhar atento e perspicaz pode em excelentes crónicas cuja reedição atualizada a cidade de Ponta Delgada, merece e exige como corolário de uma visível e perpétua homenagem tarda ao professor de imensas gerações e a autor de tantos livros escritos na rua de São Gonçalo.
Vejo-te agora, meu caro Prof. Dias de Melo em fuga repentina à vila; mais análises do consultório de Simas Santos, mais medicamentos na farmácia do Sr. Leonardo e um abraço, entre duas colheres de sopa e umas bananas da quarta, pela velha e sólida amizade a Ermelindo Ávila e duas conversas no velho escritório sobre o futuro desta nossa “ santa e adiada terra”. Que andarão vocês os dois fazer aí para cima nesse céu imenso?
Tive o privilégio de entrevistar e conviver de perto com muitos e grandes nomes da cultura em Portugal e no estrangeiro, em todos os domínio da cultura e muitos deles poetas, escritores: Eugénio de Andrade, António Ramos Rosa, Manuel Alegre, Natália Correia, João de Melo, Manuel Rui Monteiro, e tantos, tantos outros. Mas contigo, meu querido professor José de Melo, – como tratava meu pai Felisberto,- aprendi o respeito pela amizade e até pela confidencialidade, o que constitui, para mim, uma honra em estado permanente de gratidão.
Costumo dizer que Dias de Melo foi o maior baleeiro vivo que conheci. É evidente que é uma figura de estilo mas ficar-se-á por saber se a tua causa e devoção, (mesmo que Comandante da Marinha Mercante falhado), foram os baleeiros ou a literatura…!? Com toda a certeza que as duas.
Uma simbiose perfeita entre a ilha, o teu nome e a fecundação do mar.
Hoje meu querido amigo, Dias de Melo, cidadão Maior da Ilha Maior neste dia feriado do teu concelho, neste momento tão importante que ajuda a perpetuar o teu nome, são os picoenses, os açorianos, os portugueses, a comunidade lusófona, o mundo que agradecem.
Dias de Melo, é mais que escritor das baleias e dos baleeiros. Muito mais, que escritor regionalista, localista, um escritor das ilhas. É a voz literária de um povo sem voz.
No dizer de João de Melo, no prefácio de Mar Rubro, Dias de Melo morre mas está sempre presente, autêntico, exemplo cívico em toda a sua vida e obra, ”Não apenas porque essa obra apontou sempre para a transgressão dos valores que nós próprios quisemos rejeitar; mas sobretudo porque é autêntica e porque progride no sentido da plausibilidade daquilo em que acreditamos”.
Dias de Melo, enquadrado no seu tempo, da luz a petróleo, da máquina de escrever, e dos navios de quinze em quinze dias; num tempo sem editoras, ( quase sempre a Papelaria Matriz…) net, computadores, ipads, facebook, num tempo sem nada, foi conhecido, admirado e reconhecido, aqui e além fronteiras e sê-lo – á muito mais, quando esta bela vila de vultos tão importantes como Padre Xavier Madruga, José Enes, Emílio Porto, Ermelindo Ávila e Dias de Melo, para só falar dos que conheci pessoalmente, souber com as suas forças vivas e instituições dar vida conceptual e sequencialmente a um projecto que ligue a essência dos seus equipamentos e espaços ambientais a uma ideia sustentável de turismo cultural.
Gostaria de ter sido Mestre do leme. Confessava nas tertúlias com amigos em crónicas do alto da rocha do canto da baía, na rua, ou dentro da “Cabana do Pai Tomás”. Visível, transparente emoção no rosto, o respeito e o fascínio das mãos que falam do abismo das águas salgadas a seus pés.
Viajante nos iates das ilhas, registava os instantes vividos por cima dos mares. Mar rubro de relatos e novelas insulares. Mar de sustento e de desalento. Desfile de pessoas com rostos, com nomes.
Faina baleeira na sua Calheta do Nesquim, Ribeiras e Lajes, companhas vizinhas, rivais na concorrência, amigas no Espírito Santo, na partilha e solidariedade.
Casa dos botes ponto de encontro no descanso do mar e da terra, “bilro” e “sueca”, nas cartas do jogo em despique.
Cantador da história dos Açores pela boca dos picarotos marinheiros baleeiros, mestres, agricultores, vinhateiros.
E agora, meu querido professor se, depois desta cerimónia, precisares de boleia, estou como sempre aqui sentado no café do Tibério, olhando comovidamente para esta casa de São Gonçalo, a casa do escritório de tantas noites de café, livros, folhas rasgadas e por escrever, no meio de tantas madrugadoras cachimbadas, à espera de um aceno teu para um abraço, um mexerico político um uma caminhada até à esplanada da Tabacaria Açoriana para uma boa Bica à Portuguesa, sem Assis Pacheco, sem Fernando Namora, sem o Genuíno Madruga, sem o Ritinha, mas com muita gente te admira e a quem ensinaste a escrever ou no mínimo a gostar de ler. A não ser que prefiras um bom caldo de Peixe em casa de meu compadre Amaro de Matos, com o Zeca Medeiros, o Urbano Bettencourt, e a guitarra do Zé Pracana…
Em Baleeiros em Terra descrevi em directo sobre o momento em que o visitei:
“O escritor das baleia na sua casa pequena… um balcão, uma árvore sombria, a velha máquina de escrever, uma referência a Abril, a Liberdade; ele que escreveu imenso sobre os problemas sociais do povo da sua terra, a Calheta do Nesquim. São três e meia da tarde, está a escrever onde mais deseja: no alto da Rocha no Canto da Baía…uma quadra sua diz tudo da verdade com que pautou a sua vida literária:
“… Nestas paredes erguidas/ Pelas mãos dos nossos avós/ As velhas pedras são vidas/ Que vivem dentro de nós…”
Ou como se autodefine em discurso directo:
“Sou escritor. Português – porque sou cidadão do meu país. Portugal. Açoriano – porque sou cidadão dos Açores. Mas, mais restritamente e acima de tudo – sou um escritor do Pico. Da minha ilha, da minha Terra. E, porque sou Povo – do Povo da minha, da nossa ilha, da minha, da nossa Terra. Boa parte dos meus livros aqui, na nossa Ilha, na nossa Terra, se situa. Do Povo, do nosso Povo, são os modelos da grande maioria das personagens que neles vivem. Do Povo, do nosso Povo, com as suas virtudes e seus defeitos, seus amores e seus rancores, seus afectos e suas quezílias, suas dedicações, e suas indiferenças, suas solidariedades e suas hostilidades, suas lealdades e suas traições, seus heroísmos e suas cobardias. Enfim: seus anjos e seus demónios. Os mesmos anjos e os mesmos demónios que são parte integrante de todo o ser humano. Até os santos”.
Aqui nesta sua casa do Alto da Rocha, este horizonte imenso que está em muitos dos seus livros; este horizonte imenso…
Que havemos de continuar a descobrir–(TE)
Sidónio Bettencourt
Auditório Museu dos Baleeiros, das Lajes do Pico, 29 de Junho de 2018
Fonte: Município das Lajes do Pico
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