Autonomia moribunda VI
Os partidos maiores contribuíram para a sua própria decadência, mas não só: contribuíram igualmente para a decadência do sistema autonómico.
Vivendo nós num sistema parlamentar, há apenas uma votação por sufrágio universal directo: para eleger deputados que tomarão assento na Assembleia Legislativa Regional.
Acontece que os partidos com maior dimensão cedo desvirtuaram esta realidade e assentaram as suas campanhas eleitorais num engano. Foram convencendo os açorianos de que iriam votar para eleger um Presidente de Governo, como se vivêssemos num sistema presidencialista.
De quatro em quatro anos, as rotundas enchem-se de cartazes com a cara desse “candidato a presidente”, apelando ao voto impossível em oito das nove ilhas. De facto, trata-se apenas do primeiro candidato desses partidos no seu círculo eleitoral, geralmente Ponta Delgada. Nenhum residente em qualquer ilha que não São Miguel poderia votar em Mota Amaral, nem em César, nem em Berta Cabral, nem em Vasco Cordeiro.
Mas foram as carinhas destas almas que povoaram as esquinas, e foi-se firmando a convicção popular de que iriam eleger uma delas.
Assim sendo, os verdadeiramente elegíveis foram passando para segundo plano. Ao ponto de os meus alunos, em escolas secundárias da Terceira e do Faial, ao longo de muitos anos, não saberem o nome de um único deputado que representaria o povo da sua própria ilha.
Sabiam o nome do Presidente do Governo, mas os deputados nem os conheciam.
Ficam, então, Governo, Assembleia e partidos grandes nas mãos de um só homem.
Foi assim com Mota Amaral, depois com César, agora com Vasco.
Dentro do partido que está no poder, a única voz de mando vem do seu presidente. Quem discorda do mesmo é metido na prateleira, é posto a andar ou fazem-lhe a vida tão negra que o rebelde fica sem paciência e vai-se embora.
Lembro-me do PS na oposição. Havia vozes discordantes, em relação à estratégia a seguir, em relação aos protagonistas e linhas de acção. O PS é governo na região há praticamente 23 anos. Nunca mais se ouviu uma voz contra César ou agora Vasco. Militantes, deputados, membros do governo, está toda a gente de acordo no que respeita a todas as medidas governamentais. Sem que haja uma única que mereça contestação, ou sequer o mínimo reparo. Não é estranho?
No sistema parlamentar em que vivemos, depois de apurados os resultados eleitorais o líder do partido mais votado é convidado a formar governo pelo Representante da República.
Uma das propostas do PS para a reforma da Autonomia é que o Presidente do Governo Regional seja eleito pela Assembleia Regional e posteriormente nomeado e exonerado pelo Presidente da República.
Daqui pergunto, sem a mínima esperança de que algum dos dotados cérebros que imaginou tal coisa venha responder: em que é que este tipo de medida contribui para a Autonomia dos Açores?
Tomemos como exemplo as últimas eleições regionais e imaginemos que tal medida já seria estatutária. Qual a diferença que faria, atentos os resultados eleitorais, que Vasco Cordeiro fosse convidado para formar governo pelo Representante da República ou fosse eleito pelo Parlamento? Auto propondo-se Vasco, isso iria dividir a bancada da maioria? Alguém votaria contra? Mesmo no que respeita aos partidos da oposição, ficar-lhes-ia bem votar contra um candidato cujo partido acabara de ter maioria absoluta nas urnas?
Certamente que não. E em que medida o Presidente do Governo já eleito pela Assembleia Regional ser nomeado e exonerado pelo Presidente da República contribui para a AUTONOMIA dos Açores?
Teria falado a voz do povo açoriano, através do órgão máximo (pelo menos no papel) da Autonomia, para eleger o Presidente do segundo órgão do sistema. Mas a nomeação e exoneração passariam a pertencer ao Presidente da República???
A sanha de acabar com o Representante da República é tão grande que trocariam de bom grado esse símbolo menor do centralismo pelo máximo símbolo do mesmo? Que autonómicas cabecinhas pensadoras são donas disto tudo…
António Bulcão
(publicado hoje, no Diário Insular)
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