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domingo, 19 de maio de 2019

Da escritora Graziela Veiga - AS DESFOLHADAS DA MINHA INFÂNCIA!


AS DESFOLHADAS DA MINHA INFÂNCIA!  

Hoje, mais uma vez, acordei com o pensamento na minha freguesia de origem, aquela que me está enraizada na alma, até aos últimos dias da minha vida. 
E lembrei-me das desfolhadas do milho, momentos de muito trabalho, mas também de alegria, conversação, entreajuda e muita diversão. 

Antes do milho chegar ao destino certo, ou seja, a "atafona" , onde iria ser desfolhado, era carregado nos serrados, em cestos transportados às costas, ou nas mãos, por duas pessoas, e despejados nos carros de bois apetrechados com as respectivas sebes. Em cima das socas, vinham os mogangos e as abóboras. E sempre que não oferecia perigo, nós, as raparigas, pedíamos ao meu pai para nos meter no carro de bois, em cima do milho, pois assim, a viagem tornava-se mais agradável e menos cansativa. 

Logo que chegávamos a casa, o meu pai pegava-nos ao colo para nos colocar no chão, e de seguida, as vacas arrancavam com o carro pela ladeira do curral com destino à "atafona", onde o carro encostava a traseira, e lá o meu pai tirava a tapada da sebe, e assim, permitia que o milho descesse com alguma velocidade, depois puxado com enxadas, ou pás, de forma a que ficasse num monte, onde mais tarde havia de ser desfolhado. 

Esta tarefa de transportar o milho, era feita da parte da manhã. Após, havia o almoço, e depois deste, o meu pai ia às vacas, ou seja, ao pasto onde elas se encontravam e lá fazia o que tinha a fazer, mudar-lhes as estacas, meter-lhes água, e num instante, se punha em casa, a fim de começarmos a desfolha das socas. 

Havia um cepo de madeira, onde através de uma podoa, eram cortados os cabeços das socas e logo atiradas para um monte, onde havia um grupo de pessoas que tiravam algumas folhas e de seguida, eram enviadas à pessoa que estava a fazer os matulos de socas, empiricamente designados pelas pessoas daquela época de "mantulhos". O meu pai, que era um homem de pulsos e mãos fortes, é que amarrava os matulos, com folhas de espadão desfiadas. Ficavam tão bem amarrados, que dificilmente se desfaziam. O mesmo não se poderia dizer dos meus irmãos, pois quando tentavam amarrar o milho, ele nunca ficava tão fixo. 

Nós as raparigas, ficávamos sempre destinadas à desfolha, com a minha mãe. Quase sempre, os vizinhos vinham ajudar-nos, tal como os meus pais, logo que podiam, também os iam ajudar. Era uma loucura, quando aparecia uma soca vermelha, presságio que alguém iria ser escolhido para levar um beliscão. 
Havia uma entreajuda profícua e que facilitava a vida, pois naquela altura o meu pai chegou a ter três burras de milho. 

Fazia-se serões pela noite adentro, utilizando um holofote. Divertia-me imenso naquelas noites, pois os mais velhos contavam anedotas, acontecimentos passados, que faziam a delícia dos mais novos. Havia mata bicho, e algumas iguarias, mogango e batata doce, assados no forno, pevides torradas com alho, enfim o que havia naquela época. 

Logo, no outro dia, quase sempre, era eu a escolhida para dar o milho ao meu pai, a fim dele o meter na burra. Eu espetava uma forquilha e lá levantava os matulos, um a um, até ficar a burra cheia. E assim, ficávamos com milho para todo o ano, destinado ao moleiro em troca de farinha para a minha mãe cozer o pão, para os porcos, galinhas e cavalo. 

Uma vida de muita luta, muito trabalho, mas que me marcou para todo o sempre, e pela positiva.  

07-11-2018
Graziela Veiga
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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