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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Do poeta, escritor, jornalista Luís Fernando Veríssimo - BEDELHO


BEDELHO

O que é um “bedelho”? O que estamos, exatamente, fazendo quando metemos nosso bedelho na conversa ou no assunto de outros? Boa coisa não é, pois um bedelho intrometido raramente é bem-vindo. O bedelho é uma opinião que ninguém pediu. Ou pior: soa como algo metálico e agressivo, menos uma contribuição extemporânea para um papo do que o nome de uma arma mortal.

– E esse ferimento no pescoço do morto, inspetor?

– Feito com um bedelho. Certamente um bedelho.

Procurei no Aurelião mais próximo. Bedelho, diz ele, é uma “tranqueta ou ferrolho de porta, que se levanta por meio de aldrava ou de báscula”. Perfeito. Já sabemos o que é bedelho. Resta saber o que é “aldrava”. Uma visita a um dicionário é sempre um mergulho no fascinante.

Você sabe, claro, que “alcateia” é uma turma de lobos e que “cardume” é um bando de peixes. Mas aposto que sabia tanto quanto eu que “panapaná” é o coletivo de borboletas. “Enxame” quer dizer muitas abelhas, certo, e “manada” e “matilha” quem não sabia? Mas “vara” significando uma porção de porcos, quem diria?

Dicionários e lexicografias nos reservam muitas surpresas. Traduza: uma chusma emanauê com farandeulas com cabidela. Uma reunião de mendigos das mesmas tribos com moedas. (Agora é só esperar a oportunidade de usar essa frase numa conversa, antes que alguém meta seu bedelho.)

Quem se dedica a descobrir as origens e as transformações sofridas pelas palavras através do tempo se diverte sem parar. Como foi que a diferença de gostos entre os delicados franceses e os rudes ingleses determinou que as linguagens das duas culturas se separassem tanto, na cama, na mesa e na vida? Embora uma não reconhecesse a superioridade da outra. Durante muito tempo, até que a prática fosse universalmente tolerada nos dois lados do canal, o homossexualismo foi chamado de “a doença inglesa” pelos franceses e “a doença francesa” pelos ingleses.

“Fokken” era a palavra em inglês antigo e nada elegante para o ato sexual. Os franceses, embora não lhes faltasse outras palavras, preferiam o eufemismo “fornicate” do latim “fornix”, uma espécie de porão com o teto arqueado alugado por prostitutas de Roma, que acabou virando eufemismo também, “fornax”, depois “fornus”, que significava simplesmente quente.

Tudo isso foi antes, muito antes, do Brexit.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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