O filicídio na SATA
Finalmente tivemos acesso às contas do Grupo SATA relativas ao ano passado.
E as notícias são piores do que se imaginava.
Vamos então por partes, deixando para o fim a verdadeira engenharia de desespero que vai no sector público desta região.
AIR AÇORES EM VOO RASANTE - Com um resultado negativo de 1,9 milhões de euros, em 2018, a SATA Air Açores apresenta, mesmo assim, um EBITDA positivo, embora metade do de 2017.
O cenário é de agravamento da situação económica e financeira.
A dívida financeira líquida da empresa agrava-se em cerca de cinquenta milhões de euros, de 151,862 para 201,714 milhões de euros, com proveitos totais de cerca de 68 milhões de euros (37,9 milhões de vendas e 30,8 milhões de subsídios das OSP).
Os gastos com pessoal de 32,5 milhões de euros comparam com os 30,5 milhões da SATA Internacional.
Para a Air Açores, o cenário de 2018 foi de crescimento de passageiros, ligeiro crescimento de proveitos, crescimento de FSEs, crescimento dos custos com pessoal, crescimento dos gastos financeiros, amparo exacerbado da SATA Internacional e resultados financeiros negativos.
A SATA Air Açores só pode estar atormentada pelo que se vai passando na SATA Internacional, tudo da sua lavra, e do accionista!
Não seria de admirar, dado o padrão de intervenção do accionista, que as contas fossem objecto de “trabalho”.
Assim, e como alerta o parecer do ROC, os capitais próprios da empresa passaram a ser positivos, dado um aumento de cerca de 45 milhões que, na verdade, foram realizados em apenas 11, ficando, de futuro, de se realizar os restantes 34 milhões, que, entretanto, ficam na conta de valores a receber, juntando-se aos outros valores a receber do governo, relativos a contratos de OSP anteriores, não pagos, e que já deram lugar a um débito de juros de mora ao accionista, da ordem dos 1,4 milhões de euros.
O capital próprio registado de 2.251.973 euros, que aparentaria uma imagem positiva, depende do pagamento dos créditos sobre o governo, por capital não realizado e dos cerca de 35 milhões de euros do activo financeiro, que é a participação no capital da SATA Internacional, assim como da boa cobrança do crédito concedido à SATA Internacional.
Em conclusão, a SATA Air Açores está presa por duas pontas: o que vai acontecendo na SATA Internacional, que é da sua responsabilidade, e do comportamento do accionista, que vai incumprindo com a efectiva realização do capital e com os pagamentos atempados dos custos dos contratos em que se compromete.
SATA INTERNACIONAL EM VOO PICADO - A SATA Internacional (Azores Airlines) continua em voo picado.
Em 2018, com menos destinos, menos passageiros, menos gastos com combustíveis, menos colaboradores, menos horas de formação, o mesmo consumo de jet-fuel (mesmo com aviões novos e preços mais baixos), as vendas caem quase 12 milhões de euros (de 159,5 para 147,7 milhões de euros), os fornecimentos e serviços externos sobem 7,8 milhões e os custos com pessoal caem 400 mil euros.
A taxa de ocupação ficou-se pelos 76%, melhor que em 2017 mas pior do que em 2016.
Estes são os factos principais por detrás do agravamento dos resultados negativos, em cerca de 15 milhões de euros (mantendo-se o problema de base dos 35 milhões de euros de resultados negativos de 2017).
Esta não é uma situação normal, de todo.
A incompetência geral na governação desta actividade deixa de ser um caso empresarial para ser um assunto de superior interesse regional, pelos custos directos e indirectos que acarreta.
Os directos são os financiamentos que ficam a sobrecarregar o orçamento regional. Os indirectos são os impactos negativos e as ineficiências que o mau desempenho desta empresa impõe a toda a economia dos Açores.
Com uma dívida financeira líquida de apenas 7,5 milhões de euros, a empresa tem um passivo total de 154 milhões de euros. Quem suporta esta diferença? O accionista SATA Air Açores, com cerca de 100 milhões de euros, os fornecedores, com cerca de 21 milhões de euros e os passageiros que já pagaram bilhetes em avanço, com cerca de 18 milhões de euros.
A situação dos passageiros é normal mas não deixa de ser uma obrigação.
A situação dos fornecedores, representando cerca de 12% das vendas, até se pode aceitar. Os adiantamentos de 100 milhões do accionista e da SATA Aeródromos, para além dos 85 milhões de prestações suplementares, já é uma situação claramente questionável, dada não só a sua dimensão como a sua evolução, sem que se vislumbrem indicadores de melhoria.
A política de transportes aéreos de e para a Região está a falhar em toda a linha, no que depende do governo.
Falha na capacidade de as OSP atingirem o seu objectivo e falha na qualidade da prestação de serviço de OSP que o governo assume através da SATA.
O modelo de governação deste sector falhou e a Região não pode esperar mais para que seja revisto.
Deve ser declarado um estado de emergência na SATA Internacional, o que implica um pacto de regime para a resolução dos problemas que afectam a empresa e os destinos que ela serve.
A informação sobre a evolução da empresa deve, nesta circunstância, ser mensal e não estar sujeita aos desfasamentos actuais de 3 meses para cada trimestre e seis meses para o fecho de contas do ano.
A CONTAMINAÇÃO DA SATA AERÓDROMOS - A SATA Gestão de Aeródromos, até agora uma empresa razoavelmente limpa, na margem do grupo SATA, virou caso de estudo, porque entrou em risco de morte por filicídio.
Em 2018, as receitas da empresa sobem de 3 para 5 milhões de euros (+60%), devido a um acerto do contrato de gestão à inflação, sabe-se lá de quantos anos. (Certamente haveria uma desculpa melhor do que esta para o governo dar mais dinheiro à empresa).
Este aumento fez os resultados negativos de 2017 (-221.696 euros) passarem a positivos, da ordem dos 1.858.159 euros, em 2018. Fantástico! Um verdadeiro milagre.
E o que faz a empresa com tanta prosperidade (vinda do governo), a que acrescem uns trocos a mais (4.509.462 euros) que o governo lá deixou à margem das obras em realização e a que acresce, ainda mais, um aumento das dívidas a fornecedores (3,9 milhões de euros a fornecedores de construção civil, que não devem ser dos nossos que estão espartilhados num sector em declínio)?
O que faz então com tanto dinheiro?
Vejam só: empresta 11.684.277 euros às suas clientes Air Açores (que leva 7.052.968 euros) e SATA Internacional (que leva 4.631.309 euros).
Só para pôr as coisas em perspectiva, as taxas aeroportuárias cobradas nos aeródromos montam a 1,46 milhões de euros.
O desespero económico e financeiro já é de tal ordem que põe uma empresa que tem proveitos de 5 milhões e subsidiação de mais de 3 milhões a emprestar 11 milhões aos seus clientes, a quem cobra 1,4 milhões, por ordem de um governo que a subsidia em cerca de 3 milhões.
É a ruína total anunciada, o filicídio de uma empresa, às mãos de um governo que já está totalmente desorientado e se revela incompetente para gerir as orientações adequadas para um sector fulcral para os Açores.
Não admira, por isso, que os revisores e auditores, em face da situação das empresas SATA Internacional e SATA Air Açores, questionem, em reserva, as bases para a continuidade da empresa e o valor do seu activo e, consequentemente, o seu capital social.
É caso para dizer: chamem a polícia destas coisas porque está em curso um crime de filicídio, na forma tentada.
Para já.
Julho 2019
Osvaldo Cabral
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimedia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
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