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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Da escritora Graziela Veiga - CHOVE LÁ FORA...


 CHOVE LÁ FORA...

Chove lá fora...e chove no meu coração mil e uma lembranças.

Quando chove assim, não sei porquê, ou talvez saiba, reporto-me sempre à minha infância, aquela que eu deixei lá atrás, mas que caminha de braço dado comigo.

Lembro-me do quintal dos meus pais, de ficar à janela no quarto de costura da minha mãe, a observar a chuva a cair...era tão lindo!

Junto à "casinha" de lavar roupa, havia uma japoneira ou uma cameleira, como também é designado. Dava rosas-do-japão. Desde que me lembro, sempre conheci aquela japoneira, no mesmo lugar, a cumprir o seu ciclo normal da natureza.

E no lar, a minha mãe já tinha preparado o café de cevada. Chegara a hora de tomarmos a primeira refeição do dia. Ainda recordo o aroma daquelas refeições, tão simples, mas tão saborosas. Sempre pensei que tudo o que a minha mãe fazia, tinha outro sabor. Pela vida fora, jamais degustei semelhantes iguarias. A comida das nossas mães é única, porque único é o amor que elas nos têm.

Por esta época, já fazia algum frio, mas nós não o sentíamos ou se o sentíamos, nem nos apercebíamos, pois havia o calor humano, além do calor do forno de lenha. E para completar, havia os agasalhos, aqueles que vinham da América em sacas de encomendas, como lhes chamávamos. Eram roupas usadas, na sua maioria, mas para nós, eram como se fossem novas.

E continua a chover lá fora...

E eu fico a deambular entre o passado longínquo e o presente bem actual. Comparo e continuo a pensar da mesma forma.

Naquela altura, apesar do subdesenvolvimento, era tudo mais bonito, pois tínhamos o amor dos nossos pais, dos irmãos, da família, a entreajuda.

Dizia-se que dia de chuva, era quase sempre dia de "pancadas". Porém, em nossa casa, os meus pais sempre optaram por educar através da repetição de palavras. De vez em quando, lá havia algum sopapo, mas nada que fizesse mossa, apenas para manter a ordem.

Não era fácil segurar cinco filhos fechados em casa, mais tarde, seis, após o nascimento do caçula.

E continua a chover lá fora...mas também já chove dentro do meu coração.

Cerca das sete horas, o meu pai chegava a casa. Já tinha ordenhado as vacas no pasto e trouxera o leite para o engenho.

E a azáfama continuava...a minha mãe, a esta hora, já estaria a preparar o almoço, pois ao meio-dia em ponto, o meu pai gostava de almoçar. Após o almoço, dormia a sesta, e logo pelas catorze horas, lá se deslocava ao pasto a fim de tratar do gado.

Por volta do meio-dia, a mesa completava-se com os seis filhos e os pais. A sopa fumegava na panela e exalava um aroma comestível, até mesmo para os mais esquisitos.

Após a sopa, os figos doces, a melancia, o melão, as maçãs, as uvas, enfim, uma panóplia de fruta da horta. Naquela altura, a casa cheirava, além do aroma a fetos que o meu pai colocava por cima da fruta nos cestos.

Tempos duros, de muito trabalho, mas de uma alegria ímpar. Faltou muita coisa, mas nunca faltou o amor dos meus pais, por isso, colmatou todas as hipotéticas necessidades.

E continua a chover lá fora...

09.09.2020

Graziela Veiga

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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