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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Do jornal A União


DANIEL "O NOSSO PADRE"

É por demais sabido que as nossas ilhas são de origem vulcânica e, por conseguinte, sujeitas a ciclos de abalos telúricos. Nos últimos seis lustros essa atividade aconteceu em maiores proporções, com incidências calamitosas provocadas pelos sismos que, em maior escala, atingiram as ilhas Terceira e Faial.


Recuando no tempo, sempre que a terra tremia, mesmo sem estragos materiais, as populações entravam em pânico, quiçá pelo fato de ainda não estarem devidamente preparadas para encarar esse fenómeno que terrivelmente se vem desenvolvendo em outros países, mormente os asiáticos, e cujos recentes acontecimentos, advindos dessa origem, ainda estão na memória de todos nós. Ora, recordo-me que, em 1953-54, portanto, três anos antes da erupção do Vulcão dos Capelinhos, a terra tremeu por diversas vezes, com um dos sismos a acontecer por volta do meio-dia e nós, ainda no horário escolar, a debandar do edifício da escola primária onde hoje funciona a Junta de Freguesia da Conceição. E tivemos mesmo que ajudar a professora Jesuína a ser mais célere para chegar até ao caminho.

Porque o medo era bastante notório nas populações, e aqui falo, sobretudo, nas de Angra, em muitas freguesias se realizaram as procissões de velas, com paragens em frente às respectivas igrejas, orando a Nossa Senhora para que tudo voltasse à normalidade. Do Corpo Santo, sempre saia um procissão que era orientada pelo Daniel que morava ao lado da igreja da Boa Viagem. Rezava-se em frente à igreja de Nossa Senhora da Conceição e, de seguida, rumo até à Igreja da Sé, onde também se orava, pedindo à Virgem Maria para que a terra não voltasse a tremer. De fato, naquela altura, os abalos telúricos mexiam muito com o sistema nervoso das pessoas. Um pequeno abano dentro de casa, provocado pelo vento ou por algum veículo que passava próximo, era logo motivo para alarme e de apreensão.

O Daniel passou a ser conhecido “pelo nosso padre” e o filho, de nome Hélio, velho amigo, veio também para o Brasil e faleceu aqui no Rio de Janeiro, quando, num baile, dançava com uma cunhada e sofreu um ataque cardíaco. O Daniel morava por detrás da Igreja da Boa Viagem e nós, que jogávamos à bola no pátio da mesma, tínhamos sempre a preocupação para que o esférico não caísse para o cerrado onde a mãe do Daniel tinha a sua horta e, também, ao lado, para o cerrado da Tia Nativa, avó do Paulo Jorge Pimentel e do José Gabriel, hoje presidente da Junta de Freguesia da Conceição. Quando a bola ia parar ao cerrado da mãe do Daniel era sempre complicado, mas, como sempre compreendia que era ali que a malta gostava de jogar (para além do Jardim do Porto das Pipas), o Daniel devolvia a bola. Quando ele não estava, ou se saltava sorrateiramente (a parede era alta) ou o jogo acabava até que o Daniel aparecesse para fazer a devolução do pequeno esférico de borracha. Da mãe dele, nem pensar, só nos lançava pragas porque estávamos a dar cabo da sua linda horta. E, na verdade, tinha as suas razões.

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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