DANIEL "O NOSSO PADRE"
É por
demais sabido que as nossas ilhas são de origem vulcânica e, por conseguinte,
sujeitas a ciclos de abalos telúricos. Nos últimos seis lustros essa atividade
aconteceu em maiores proporções, com incidências calamitosas provocadas pelos
sismos que, em maior escala, atingiram as ilhas Terceira e Faial.
Recuando
no tempo, sempre que a terra tremia, mesmo sem estragos materiais, as
populações entravam em pânico, quiçá pelo fato de ainda não estarem devidamente
preparadas para encarar esse fenómeno que terrivelmente se vem desenvolvendo em
outros países, mormente os asiáticos, e cujos recentes acontecimentos, advindos
dessa origem, ainda estão na memória de todos nós. Ora, recordo-me que, em
1953-54, portanto, três anos antes da erupção do Vulcão dos Capelinhos, a terra
tremeu por diversas vezes, com um dos sismos a acontecer por volta do meio-dia
e nós, ainda no horário escolar, a debandar do edifício da escola primária onde
hoje funciona a Junta de Freguesia da Conceição. E tivemos mesmo que ajudar a professora
Jesuína a ser mais célere para chegar até ao caminho.
Porque o
medo era bastante notório nas populações, e aqui falo, sobretudo, nas de Angra,
em muitas freguesias se realizaram as procissões de velas, com paragens em
frente às respectivas igrejas, orando a Nossa Senhora para que tudo voltasse à
normalidade. Do Corpo Santo, sempre saia um procissão que era orientada pelo
Daniel que morava ao lado da igreja da Boa Viagem. Rezava-se em frente à igreja
de Nossa Senhora da Conceição e, de seguida, rumo até à Igreja da Sé, onde
também se orava, pedindo à Virgem Maria para que a terra não voltasse a tremer.
De fato, naquela altura, os abalos telúricos mexiam muito com o sistema nervoso
das pessoas. Um pequeno abano dentro de casa, provocado pelo vento ou por algum
veículo que passava próximo, era logo motivo para alarme e de apreensão.
O Daniel
passou a ser conhecido “pelo nosso padre” e o filho, de nome Hélio, velho
amigo, veio também para o Brasil e faleceu aqui no Rio de Janeiro, quando, num
baile, dançava com uma cunhada e sofreu um ataque cardíaco. O Daniel morava por
detrás da Igreja da Boa Viagem e nós, que jogávamos à bola no pátio da mesma,
tínhamos sempre a preocupação para que o esférico não caísse para o cerrado
onde a mãe do Daniel tinha a sua horta e, também, ao lado, para o cerrado da
Tia Nativa, avó do Paulo Jorge Pimentel e do José Gabriel, hoje presidente da
Junta de Freguesia da Conceição. Quando a bola ia parar ao cerrado da mãe do
Daniel era sempre complicado, mas, como sempre compreendia que era ali que a
malta gostava de jogar (para além do Jardim do Porto das Pipas), o Daniel
devolvia a bola. Quando ele não estava, ou se saltava sorrateiramente (a parede
era alta) ou o jogo acabava até que o Daniel aparecesse para fazer a devolução
do pequeno esférico de borracha. Da mãe dele, nem pensar, só nos lançava pragas
porque estávamos a dar cabo da sua linda horta. E, na verdade, tinha as suas
razões.
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