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terça-feira, 23 de maio de 2017

Do jornalista João Rocha


Sabor a infância

                                                            




No meu tempo é que era bom. Estou sempre a ouvir a expressão e, se calhar, também já começo a proferi-la.
Mas a ideia da crónica não consiste em seguir este rumo. Era bom, sim senhor, mas era boca doce. Explico melhor: quero situar-me nos sabores da minha infância.
O pudim “Boca Doce” constituía uma verdadeira maravilha, ainda mais numa época em que a sobremesa, na maior parte das refeições, quase parecia ficção científica.
Então quando os sabores se misturavam, lá por casa, a divisão das fatias obedecia a proporções perfeitas com vista a evitar quezílias domésticas. Com um bocado de sorte e proteção maternal (como filho mais novo sempre fui muito reivindicativo), cabia-me a honra e privilégio de rapar o tacho.
A “Royal” garantia os refrescos, em carteiras duplas. Nos dias mais lembrados, surgiam as pequenas latas da “Sumol”, em produtos concentrados e de ótima qualidade. No capítulo dos líquidos, o “Tang” também sabia bem e, por esta razão, não dava tanga às donas de casa.
O espólio memorial/afetivo guarda, por outro lado, como tesouros os pirolitos (brancos e amarelos) e o chocolate da “Regina”.
No aproveitar estava o ganho. Pão duro inspirava fatias douradas e um pudim de sabor intenso a cacau.
Claro que estava guardado espaço para as papas “Maizena”, se aditadas com cacau ou chocolate ainda melhor.
A sopa era obrigatória, sobretudo ao jantar. Como tal, nem sempre tinha receção calorosa. A canja reunia maior consenso.
As ondas pertenciam exclusivamente ao mar e desconheciam o micro. Apanhei o fogão em versão rudimentar, quando ele apenas era primo.
Aspirei ficar com um corpo musculado à conta da “Farinha 33”, bem dissolvida no leite.
O sonho de ser operado às amígdalas para comer gelados à fartazana caiu garganta abaixo.
Desconheço o peso sentimental na ideia, mas creio que os sabores já foram mais genuínos.
Jamais serei refilão como o meu amigo Nemésio, mas, olhando para a gastronomia atual, entendo que os nomes esquisitos (há tempos comi um suposto cozido à portuguesa concentrado numa única almôndega) são insuficientes para acrescentar qualidade à comida.
De repente, é tudo uma questão de paladar. Ou de saudade, sei lá.


Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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