Sabor a infância
No meu tempo é que era bom. Estou sempre a ouvir a expressão e,
se calhar, também já começo a proferi-la.
O pudim “Boca Doce” constituía uma verdadeira
maravilha, ainda mais numa época em que a sobremesa, na maior parte das
refeições, quase parecia ficção científica.
Então quando os sabores se misturavam, lá por casa,
a divisão das fatias obedecia a proporções perfeitas com vista a evitar
quezílias domésticas. Com um bocado de sorte e proteção maternal (como filho
mais novo sempre fui muito reivindicativo), cabia-me a honra e privilégio de
rapar o tacho.
A “Royal” garantia os refrescos, em carteiras
duplas. Nos dias mais lembrados, surgiam as pequenas latas da “Sumol”, em
produtos concentrados e de ótima qualidade. No capítulo dos líquidos, o “Tang”
também sabia bem e, por esta razão, não dava tanga às donas de casa.
O espólio memorial/afetivo guarda, por outro lado,
como tesouros os pirolitos (brancos e amarelos) e o chocolate da “Regina”.
No aproveitar estava o ganho. Pão duro inspirava
fatias douradas e um pudim de sabor intenso a cacau.
Claro que estava guardado espaço para as papas
“Maizena”, se aditadas com cacau ou chocolate ainda melhor.
A sopa era obrigatória, sobretudo ao jantar. Como
tal, nem sempre tinha receção calorosa. A canja reunia maior consenso.
As ondas pertenciam exclusivamente ao mar e
desconheciam o micro. Apanhei o fogão em versão rudimentar, quando ele apenas
era primo.
Aspirei ficar com um corpo musculado à conta da
“Farinha 33”, bem dissolvida no leite.
O sonho de ser operado às amígdalas para comer
gelados à fartazana caiu garganta abaixo.
Desconheço o peso sentimental na ideia, mas creio
que os sabores já foram mais genuínos.
Jamais serei refilão como o meu amigo Nemésio, mas,
olhando para a gastronomia atual, entendo que os nomes esquisitos (há tempos
comi um suposto cozido à portuguesa concentrado numa única almôndega) são
insuficientes para acrescentar qualidade à comida.
De repente, é tudo uma questão de paladar. Ou de
saudade, sei lá.
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