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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Da Califórnia de João Bendito


FELICIDADE

É dia de a nossa neta Olívia vir cá para casa. Vou, logo pelas sete da manhã, recorrê-la. Vem sempre muito afitada, já sabe que a avó a espera para um dia de brincadeiras e desmedida atenção.

Fala pelos cotovelos. Nem tem ainda três anos, só os completa no próximo Janeiro mas é atinada e espertalhona, como são todas as crianças desta era moderna. Procurando estar atento à estrada, vou botando o olho de soslaio pelo retrovisor para poder manter a conversa, o que, por vezes, se torna difícil porque a minha progressiva rudeza de ouvido me faz perder partes do assunto.
Esta manhã, na curta viagem no “freeway”, viemos a recordar as peripécias da noite de ontem, a Noite de Halloween. A Olívia está a começar cedo com o entusiasmo por esta festa, talvez a querer imitar a mãe e a tia Lisa, que levam semanas a planear as fantasias para a família inteira. Não se cansava de me dizer o quanto gostou de ir, com os primos Dominic e Mia Isabel, bater de porta em porta, na busca de “candinhos “ e guloseimas. Depois, o falatório descaiu para os nomes de pessoas da família. Para satisfazer a curiosidade dela, informei-a (mais uma vez...) que o meu pai se chamava João e a minha mãe era Eulina. “Mas, avô João, onde é que eles estão? Onde vivem?”, foi a pergunta seguinte e que, de verdade, me deixou desconsertado. Com cuidado, fui explicando que eles já não estavam entre nós, que viviam onde vivem as pessoas boas, no Céu, entre as nuvens e as estrelas. E adiantei que sentia muito a falta deles. A Olívia deve ter percebido o som triste da minha resposta, cortada pelo aperto na garganta que sentimos quando a saudade nos toca na alma. Depois de um breve silêncio e com uma simplicidade tão meiga que só as crianças sabem demonstrar, ela reconfortou-me: “Não fiques triste, avô João. Eu agora estou aqui contigo!”
É por estas e por outras que eu digo que as crianças são a maior e a mais bela criação que algum Deus pôs neste Mundo. Só espero que ela venha a esquecer esta nossa pequena conversa, não quero que fique com má memória deste momento. É que, embora não seja uma situação muito semelhante, eu ainda me lembro da primeira vez em que senti tristeza.
3 de Fevereiro, 1958, 2ª feira.
Tenho quase seis anos de idade. Nessa tarde, depois do meu irmão vir da escola, fomos, com outros rapazes, brincar para os serrados do Posto Meteorológico. Eu deveria ser o mais pequeno e mais novo mas não se admirem, nessa altura era perfeitamente natural a rapaziada brincar na rua, logo que não fosse longe de casa. De repente, apareceu-nos a vizinha Nini “Larga-a-Mexa”, numa correria louca, a gritar. “Venham para casa já, o teu avô morreu!”. Recusei-me a acreditar, a Nini deveria estar equivocada. Não serviu de nada o meu descrédito, era mesmo verdade. Na noite anterior, ao jantar, o pai tinha dito que o avô ia, pela terceira vez, acima da mesa. Claro que me espantou aquela expressão, foi preciso a mãe explicar que ele seria submetido a mais uma operação à bexiga.
Foi nessa noite, ao ver na sala da nossa casa o grande caixão negro com o corpo do meu avô José Bailhão, que eu me lembro de sentir esta coisa esquisita a que, anos depois, vim associar a tristeza. Manifestei-o, quiçá com o tal aperto na garganta igual ao que senti hoje, ao dizer à minha mãe que estava com dores de barriga. E chorei em silêncio. “Eram muito amigos”, disse a mãe às senhoras que a acompanhavam no velório. “Até apanhou do avô o costume de andar com as mãos atrás das costas”. É verdade, ainda hoje o faço, hábito que também adquiri com o meu outro avô, o “Rato”, da Graciosa. Quem aprende com os seus...
Mas o meu propósito hoje era escrever-vos sobre felicidade. A conversa com a minha neta fez-me dar uma volta maior e diferente do que eu tinha planeado. O que trazia na manga era uma possível abordagem ao tema da felicidade, já que acabei de ler um maravilhoso artigo na não menos maravilhosa revista “National Geographic” intitulado “In Search for Happiness”. O popular mas erudito magazine publicou na sua última edição uma reportagem, enfeitada com uma mão cheia de bonitas fotos, dedicada a três países que, de acordo com uma generalidade de especialistas e um montão de estatísticas, são os lugares onde se vive melhor e onde as pessoas são mais felizes: A Dinamarca, a Costa Rica e Singapura. Entre outros considerandos, o estudo diz-nos que há algumas semelhanças entre estes três países que, geograficamente, estão muito longe uns dos outros. Nestas sociedades, a educação, o sistema geral de saúde e a garantia de uma reforma estável para todos os cidadãos são das principais preocupações dos respetivos governos. Não são sistemas perfeitos mas não me importava nada que aqui nos E.U. da América se aprendesse alguma coisa com o exemplo deles. Só de pensar que, por exemplo, a Costa Rica nem tem exército...
Por coincidência e por bater na mesma tecla, achei interessante a recente notícia que uma pequena nota, escrita em 1922 pelo famoso cientista Albert Einstein, foi vendida num leilão por nada menos do que $1.6 milhões de dólares. Como não tinha dinheiro no bolso para dar gorjeta a um porteiro, Einstein escreveu o bilhete mesmo num folheto do Imperial Hotel de Tóquio, onde estava em visita oficial e disse-lhe para o guardar porque um dia poderia valer algum dinheiro. O que dizia a nota? Algo muito simples: “UMA VIDA CALMA E MODESTA TRAZ-NOS MAIS FELICIDADE DO QUE A BUSCA DE SUCESSO E O CONSTANTE DESASSOSSEGO QUE DAÍ ADVÉM”. Boca santa!
Nunca vou pôr os pés, nem sequer como turista, nos lugares que a N. G. considerou como dos mais felizes do mundo e, que eu me lembre, nenhuma famosa personagem me deixou nada de valor para leiloar. Mas basta-me o saber que vivi (até agora) uma vida calma e modesta e que nunca corri atrás de fama ou fortuna fáceis. Se conseguir deixar um razoável exemplo aos meus netos, já será bastante.
Porque, como se confirmou hoje, sei que tenho todo o apoio deles. Ou como aconteceu ontem, quando o Dominic, sorrateiro, me meteu no bolso da samarra, um dos chocolatinhos que ganhou no Halloween.
Afinal a felicidade está mesmo à nossa volta. Às vezes é só olhar para o espelho retrovisor do carro... ou meter a mão ao bolso e encontrar um chocolate.
A neta do meio, Mia Isabel, é que tem razão. Esta manhã, quando saiu para a escola, perguntou à mãe: “ Mom, why don’t we have Halloween every day?”
Lincoln, Ca. Nov. 1, 2017 - João Bendito.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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