21-6-67 - Há 50 ANOS
O MELHOR DEFESA-ESQUERDO DO MUNDO
A cidade estava em alvoroço!
A equipa do Benfica já tinha chegado. Não era uma
equipa qualquer, não era o conjunto das reservas, era mesmo a equipa principal,
onde ainda militavam muitos dos Campeões Europeus de 1961 e de 1962. Ali
estavam, à nossa frente, o José Augusto, o Simões e o “Pantera Negra”, o grande
Eusébio! E os outros todos, que conhecíamos dos relatos radiofónicos nas tardes
de domingo, das fotos dos jornais “A Bola” e “Mundo Desportivo” e até das
cadernetas dos “repetidos” que colecionávamos.
A recepção foi triunfante. Encheram-se de gente as
ruas principais da cidade, as varandas foram cobertas com coloridas colchas
regionais e enfeitaram-se as montras dos estabelecimentos comerciais. A sede
social do Sport Club Angrense, o clube anfitrião, tornou-se pequena para
receber tamanha multidão.
Inimizades e quezílias postas de parte, a rapaziada
dos bairros citadinos apressou-se a acompanhar os jogadores campeões nacionais
no seu passeio pela baixa da cidade. O “Esbica” e o José “Cagão”, lusitanistas
ferrenhos, esqueceram-se da sua doença clubista e aparelharam com o
“Artilheiro” e com o “Tintureiro”, estes sim encarnados do coração. Até o Ti
Chico “Gamela” não faltou ao desfilhe, esperançado como estava que o seu neto
ia fazer boa figura durante o jogo.
Da equipe do “Angrense” que havia defrontado o S.L.
Benfica sete anos antes, em dois jogos a contar para a Taça de Portugal – um
jogo no Municipal de Angra e outro no formidável Estádio da Luz - só restavam
quatro jogadores: os defesas Edmundo Venceslau e o “Trator” Carlos Silva, o
extremo esquerdo Jorge Laureano e o capitão da equipe Aníbal Borges. Para todos
os outro jovens jogadores este desafio revestia-se de enorme importância. A
maioria deles tinha saído das equipes de formação do emblema da Rua de São João
e este seria o jogo máximo das suas vidas. O nervosismo era evidente nalguns
deles mas quando o árbitro deu por iniciada a peleja todo o seu valor veio ao
de cima e mostraram que poderiam medir forças com as vedetas da melhor equipe
do futebol português e uma das melhores da Europa.
Claro que o resultado final de 6-1 a favor dos
monstros lisboetas poderia até ser considerado muito lisonjeiro para os locais.
A diferença de classe, de preparação física e técnica e de qualidade de jogo
era por demais evidente, mas mesmo assim os amadores terceirenses esforçaram-se
e conseguiram realizar uma exibição de grande gabarito. Houve momentos de muita
emoção, principalmente quando Jorge Laureano conseguiu o melhor e mais famoso
golo da sua longa carreira desportiva, empatando a partida a 1-1. Quem não
gostou da brincadeira foi o “Rei” Eusébio que logo de seguida desferiu tamanho
remate que fez estrondo na parede junto à casa do guarda António “Bolha”. E
serviu a segunda parte da partida para fazer nascer uma grande estrela do
futebol açoriano, o jovem guarda-redes Jorge Teixeira “Patachon”, empolgando a
enorme assistência, que enchia por completo o velho Campo de Jogos, com uma mão
cheia de soberbas defesas, fazendo assim jus à confiança que nele depositou o
seu treinador, o faialense Fernando Baeta.
dos jornais continentais teceram rasgados elogios aos
atletas do “Angrense”. O Alberto, o Medina, o Jorge Augusto e o já acima citado
Jorge “Patachon” viram os seus nomes nas páginas dos periódicos da especialidade.
Mas para mim, que fui assistir ao jogo na companhia do meu pai e da minha irmã
Eulina (cada bilhete de bancada custava $80.00, uma fortuna para a época, o que
resultou numa receita de 200 contos), o melhor de todos foi o nosso primo Jorge
Orlando, o defesa esquerdo Machado, como era conhecido nos meios
futebolísticos. Para mais, o Jorge Orlando era afilhado do meu pai e assíduo
frequentador da nossa casa, onde por vezes nos fazia companhia nos familiares
jantares de domingo.
Nos dias que se seguiram ao jogo, o Jorge Orlando
andava inchado como um pavão. O seu andar, normalmente saltitante e de peito
erguido, tornou-se ainda mais acentuado. Sorridente, agradecia, lisonjeado, os
cumprimentos e as palmadinhas nas costas dos amigos e simpatizantes. A razão
era simples: o treinador do Benfica, o chileno Fernando Riera, em resposta à
pergunta de um jornalista, foi ao ponto de dizer, quem sabe com uma pontinha de
sarcasmo, que “”O Machado fez uma partida espetacular , é um defesa esquerdo
que tem lugar em qualquer equipa do Mundo!””. Sarcástico ou não, foi realmente
um grande elogio para o jovem jogador, que não caía em si de contente.
Os tempos eram outros, as oportunidades para os
jogadores açorianos poderem tentar uma carreira no futebol profissional eram
mínimas. E no caso dos jovens atletas do Angrense, mesmo depois de terem feito
uma grande exibição frente aos campeões nacionais, nenhuma outra porta se
abriu, à exceção do guarda-redes Jorge Teixeira, que esteve uns meses a treinar
no Benfica. O nosso Jorge Orlando ainda jogou, enquanto cumpria o serviço
militar, uma época no União Micaelense mas não passou daí. Caso para dizer que
o melhor defesa-esquerdo do
Mundo passou ao lado de uma grande carreira.
Tal pena, se fosse nos dias de hoje, quem sabe,
poderia também estar a jogar ... na China!
O tempo passa depressa, já lá vão cinquenta anos desde
esse memorável dia 21 de junho de 1967. Mas para mim , parece-me que foi ontem
que fui, com o meu pai e a minha irmã, ver um jogo de futebol que nunca mais
esqueci.
Lincoln, Cal. Junho 21, 2017
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