JORNALISMO EM DESTAQUE

485º Aniversário da Cidade de Angra do Heroísmo

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

De João Bendito em Califórnia



21-6-67 - Há 50 ANOS

O MELHOR DEFESA-ESQUERDO DO MUNDO



 A cidade estava em alvoroço!
A equipa do Benfica já tinha chegado. Não era uma equipa qualquer, não era o conjunto das reservas, era mesmo a equipa principal, onde ainda militavam muitos dos Campeões Europeus de 1961 e de 1962. Ali estavam, à nossa frente, o José Augusto, o Simões e o “Pantera Negra”, o grande Eusébio! E os outros todos, que conhecíamos dos relatos radiofónicos nas tardes de domingo, das fotos dos jornais “A Bola” e “Mundo Desportivo” e até das cadernetas dos “repetidos” que colecionávamos.

A recepção foi triunfante. Encheram-se de gente as ruas principais da cidade, as varandas foram cobertas com coloridas colchas regionais e enfeitaram-se as montras dos estabelecimentos comerciais. A sede social do Sport Club Angrense, o clube anfitrião, tornou-se pequena para receber tamanha multidão.
Inimizades e quezílias postas de parte, a rapaziada dos bairros citadinos apressou-se a acompanhar os jogadores campeões nacionais no seu passeio pela baixa da cidade. O “Esbica” e o José “Cagão”, lusitanistas ferrenhos, esqueceram-se da sua doença clubista e aparelharam com o “Artilheiro” e com o “Tintureiro”, estes sim encarnados do coração. Até o Ti Chico “Gamela” não faltou ao desfilhe, esperançado como estava que o seu neto ia fazer boa figura durante o jogo.
Da equipe do “Angrense” que havia defrontado o S.L. Benfica sete anos antes, em dois jogos a contar para a Taça de Portugal – um jogo no Municipal de Angra e outro no formidável Estádio da Luz - só restavam quatro jogadores: os defesas Edmundo Venceslau e o “Trator” Carlos Silva, o extremo esquerdo Jorge Laureano e o capitão da equipe Aníbal Borges. Para todos os outro jovens jogadores este desafio revestia-se de enorme importância. A maioria deles tinha saído das equipes de formação do emblema da Rua de São João e este seria o jogo máximo das suas vidas. O nervosismo era evidente nalguns deles mas quando o árbitro deu por iniciada a peleja todo o seu valor veio ao de cima e mostraram que poderiam medir forças com as vedetas da melhor equipe do futebol português e uma das melhores da Europa.
Claro que o resultado final de 6-1 a favor dos monstros lisboetas poderia até ser considerado muito lisonjeiro para os locais. A diferença de classe, de preparação física e técnica e de qualidade de jogo era por demais evidente, mas mesmo assim os amadores terceirenses esforçaram-se e conseguiram realizar uma exibição de grande gabarito. Houve momentos de muita emoção, principalmente quando Jorge Laureano conseguiu o melhor e mais famoso golo da sua longa carreira desportiva, empatando a partida a 1-1. Quem não gostou da brincadeira foi o “Rei” Eusébio que logo de seguida desferiu tamanho remate que fez estrondo na parede junto à casa do guarda António “Bolha”. E serviu a segunda parte da partida para fazer nascer uma grande estrela do futebol açoriano, o jovem guarda-redes Jorge Teixeira “Patachon”, empolgando a enorme assistência, que enchia por completo o velho Campo de Jogos, com uma mão cheia de soberbas defesas, fazendo assim jus à confiança que nele depositou o seu treinador, o faialense Fernando Baeta.
dos jornais continentais teceram rasgados elogios aos atletas do “Angrense”. O Alberto, o Medina, o Jorge Augusto e o já acima citado Jorge “Patachon” viram os seus nomes nas páginas dos periódicos da especialidade. Mas para mim, que fui assistir ao jogo na companhia do meu pai e da minha irmã Eulina (cada bilhete de bancada custava $80.00, uma fortuna para a época, o que resultou numa receita de 200 contos), o melhor de todos foi o nosso primo Jorge Orlando, o defesa esquerdo Machado, como era conhecido nos meios futebolísticos. Para mais, o Jorge Orlando era afilhado do meu pai e assíduo frequentador da nossa casa, onde por vezes nos fazia companhia nos familiares jantares de domingo.

Nos dias que se seguiram ao jogo, o Jorge Orlando andava inchado como um pavão. O seu andar, normalmente saltitante e de peito erguido, tornou-se ainda mais acentuado. Sorridente, agradecia, lisonjeado, os cumprimentos e as palmadinhas nas costas dos amigos e simpatizantes. A razão era simples: o treinador do Benfica, o chileno Fernando Riera, em resposta à pergunta de um jornalista, foi ao ponto de dizer, quem sabe com uma pontinha de sarcasmo, que “”O Machado fez uma partida espetacular , é um defesa esquerdo que tem lugar em qualquer equipa do Mundo!””. Sarcástico ou não, foi realmente um grande elogio para o jovem jogador, que não caía em si de contente.
Os tempos eram outros, as oportunidades para os jogadores açorianos poderem tentar uma carreira no futebol profissional eram mínimas. E no caso dos jovens atletas do Angrense, mesmo depois de terem feito uma grande exibição frente aos campeões nacionais, nenhuma outra porta se abriu, à exceção do guarda-redes Jorge Teixeira, que esteve uns meses a treinar no Benfica. O nosso Jorge Orlando ainda jogou, enquanto cumpria o serviço militar, uma época no União Micaelense mas não passou daí. Caso para dizer que o melhor defesa-esquerdo do Mundo passou ao lado de uma grande carreira.
Tal pena, se fosse nos dias de hoje, quem sabe, poderia também estar a jogar ... na China!
O tempo passa depressa, já lá vão cinquenta anos desde esse memorável dia 21 de junho de 1967. Mas para mim , parece-me que foi ontem que fui, com o meu pai e a minha irmã, ver um jogo de futebol que nunca mais esqueci.
Lincoln, Cal. Junho 21, 2017
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

Sem comentários:

Enviar um comentário