A Mulher por quem
Esperara tantos Anos
Alguma coisa dentro dele voltou a si. Foi como se,
de repente, estivessem efectivamente ali os dois. E, reacendendo a luz,
encostou os lábios aos dela e sentiu, enfim, o calor que deles se emitia, e o
sabor da sua boca, e o seu cheiro, e teve consciência de que aquela que se
deitava na cama consigo não era apenas uma mulher bela, mas uma mulher, a
mulher por quem esperara tantos anos.
Tiraram ambos o que lhes restava de roupa, lançando-a ao chão, e tocaram-se
suavemente. Havia uma admiração entre eles, como se se descobrissem, e todavia
era também tal qual se conhecessem de há muito, as superfícies mais sadias como
as primeiras rugosidades dos seus corpos.
Tacteavam-se devagar, atentos às luzes e às sombras de cada recanto que
esquadrinhavam, e ao fim de alguns momentos beijavam-se de novo, ele
abraçando-a na sua totalidade, açambarcando-a, e ela sorrindo por entre o vento
da noite, a chuva e os terramotos sorrindo com ela, e a humidade salgada dos
seus peitos, e o mar que se atirava furioso contra aquela terra, e o primeiro
suor do seu pescoço.
A partir daí, o mundo desapareceu. E havia medo e alegria, e havia uma pressa
que era ao mesmo tempo a ânsia de que nada daquilo alguma vez acabasse. E havia
insegurança, e havia desespero, e havia o corpo dela - e, durante todo aquele
tempo, os seus olhares cruzavam--se, e era como se de facto se vissem.
Joel Neto, in 'Arquipélago'
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