O futebol como Ciência ou o fenômeno Sporting
Manuel Sérgio
Na edição do jornal “A Bola”, do último dia 27 de Fevereiro, o
jornalista e escritor Vítor Serpa levantava a interrogação seguinte: “Que
ciência pode afinal vir explicar o último jogo europeu do Sporting?”. E
continua: “Uma equipa aparentemente esfrangalhada, sem vestígios de autoestima,
acossada por cães de fila sedentos de protagonismo (…), ressurge das cinzas,
como fénix e explode numa festa de energia e de luminosidade exibicional,
carregando com três festejados golos o peso de incredulidade inglesa”. Mas
voltemos à questão que é a matriz deste oportuníssimo artigo: qual a ciência
que pode explicar a exibição do Sporting, em Lisboa, diante do Everton?
Venho dizendo, há mais de trinta
anos, que o desporto só como ciência social e humana se poderá entender e que
portanto analisar a prática desportiva não se confunde com o determinismo e com
as certezas do treino e da ciência, positivistas e tradicionais. No desporto
(como no mais), o simples é aparência, o fundo do real é complexo. Com efeito,
da termodinâmica à teoria da informação, da microfísica à biofísica, da
informação à ciência das redes – a complexidade é o grande signo da nossa
cultura e… a denúncia do logro que é o simples, a ordem, a lei, a certeza! Só a
desordem, o acaso, o singular são processos genésicos, isto é, organizações
nascituras.
Por isso, o treino há-de
percepcionar-se como o uno em si mesmo múltiplo. Treinar não é só concretizar o
que vem nos livros de técnica e táctica dos jogos desportivos (o simples), mas
descobrir a dialéctica entre as chamadas “leis do treino” e a complexidade que
é cada um dos jogadores que as interpretam. As leis surgem com uma exactidão
deslumbrante. Ora, tudo o que é muito exacto não é humano e está errado.
O Vítor Serpa, um homem culto (eu
tenho razões, para dizer do director deste jornal, isto e muito mais),
percebeu, facilmente, que o problema dos “leões” não se resume a “um”, porque
são “muitos” os problemas e é porque são “muitos” e em rede que o fenômeno
Sporting é também desordem, caos, incerteza. Como escreve Lyotard, a ciência
pós-moderna (actual, portanto) não passa do anti-modelo de uma ciência estável.
Os “torcedores” (quem torce retorce e distorce), diante da desordem em que o
futebol se manifesta e porque a desordem os confunde, descambam em atitudes
demasiado emocionais, normalmente ao ritmo da mentira veemente, dos “slogans”,
do oportunismo do instante de certas pessoas, com lugar de relevo na
Comunicação Social.
O Marx tinha razão: “a ideologia
dominante é a ideologia da classe dominante”. Os treinadores sabem também que o
futebol é desordem, no meio de toda a ordem inicial. Dutante um jogo, há por
vezes a sensação que está por descobrir a ciência que o explica. Só que eles
não desconhecem, como Aragon, que “a experiência nunca é transmissível; apenas
o dogmatismo o é”. E dogmáticos só o podem ser alguns tontos cuja audiência
está na razão directa da precariedade social, da perda de senso e de
frustrações recalcadas. Por isso, as “massas associativas” os escutam, com
tamanho deleite. O abrigo no irracional não exige muito esforço: basta não
pensar!
Estou certo que, com José Eduardo
Bettencourt, atual presidente do Sporting Clube de Portugal, pode desenhar-se,
com nitidez, um novo Sporting e, portanto, com homens novos, capazes de
aceitar, decifrar e dominar o incerto, ou seja, capazes de descobrir na
desordem a necessidade de uma ordem nova.
Sem comentários:
Enviar um comentário