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domingo, 14 de janeiro de 2018

Do catedrático das letras - Manuel Sérgio



O futebol como Ciência ou o fenômeno Sporting
Manuel Sérgio
          
Na edição do jornal “A Bola”, do último dia 27 de Fevereiro, o jornalista e escritor Vítor Serpa levantava a interrogação seguinte: “Que ciência pode afinal vir explicar o último jogo europeu do Sporting?”. E continua: “Uma equipa aparentemente esfrangalhada, sem vestígios de autoestima, acossada por cães de fila sedentos de protagonismo (…), ressurge das cinzas, como fénix e explode numa festa de energia e de luminosidade exibicional, carregando com três festejados golos o peso de incredulidade inglesa”. Mas voltemos à questão que é a matriz deste oportuníssimo artigo: qual a ciência que pode explicar a exibição do Sporting, em Lisboa, diante do Everton?

Venho dizendo, há mais de trinta anos, que o desporto só como ciência social e humana se poderá entender e que portanto analisar a prática desportiva não se confunde com o determinismo e com as certezas do treino e da ciência, positivistas e tradicionais. No desporto (como no mais), o simples é aparência, o fundo do real é complexo. Com efeito, da termodinâmica à teoria da informação, da microfísica à biofísica, da informação à ciência das redes – a complexidade é o grande signo da nossa cultura e… a denúncia do logro que é o simples, a ordem, a lei, a certeza! Só a desordem, o acaso, o singular são processos genésicos, isto é, organizações nascituras.
Por isso, o treino há-de percepcionar-se como o uno em si mesmo múltiplo. Treinar não é só concretizar o que vem nos livros de técnica e táctica dos jogos desportivos (o simples), mas descobrir a dialéctica entre as chamadas “leis do treino” e a complexidade que é cada um dos jogadores que as interpretam. As leis surgem com uma exactidão deslumbrante. Ora, tudo o que é muito exacto não é humano e está errado.
O Vítor Serpa, um homem culto (eu tenho razões, para dizer do director deste jornal, isto e muito mais), percebeu, facilmente, que o problema dos “leões” não se resume a “um”, porque são “muitos” os problemas e é porque são “muitos” e em rede que o fenômeno Sporting é também desordem, caos, incerteza. Como escreve Lyotard, a ciência pós-moderna (actual, portanto) não passa do anti-modelo de uma ciência estável. Os “torcedores” (quem torce retorce e distorce), diante da desordem em que o futebol se manifesta e porque a desordem os confunde, descambam em atitudes demasiado emocionais, normalmente ao ritmo da mentira veemente, dos “slogans”, do oportunismo do instante de certas pessoas, com lugar de relevo na Comunicação Social.
O Marx tinha razão: “a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante”. Os treinadores sabem também que o futebol é desordem, no meio de toda a ordem inicial. Dutante um jogo, há por vezes a sensação que está por descobrir a ciência que o explica. Só que eles não desconhecem, como Aragon, que “a experiência nunca é transmissível; apenas o dogmatismo o é”. E dogmáticos só o podem ser alguns tontos cuja audiência está na razão directa da precariedade social, da perda de senso e de frustrações recalcadas. Por isso, as “massas associativas” os escutam, com tamanho deleite. O abrigo no irracional não exige muito esforço: basta não pensar!

Estou certo que, com José Eduardo Bettencourt, atual presidente do Sporting Clube de Portugal, pode desenhar-se, com nitidez, um novo Sporting e, portanto, com homens novos, capazes de aceitar, decifrar e dominar o incerto, ou seja, capazes de descobrir na desordem a necessidade de uma ordem nova.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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