O JOGO DA BOLA
Andam os
portugueses muito ouriçados, desde o passado domingo.
Talvez
ouriçado seja o termo errado, já que não vejo ninguém com espinhos nas costas.
Vamos, então, começar de novo: andam os portugueses, desde o passado domingo,
mais espampanados que pavões! Não é para menos, conseguiu o selecionado
nacional um feito nunca alcançado nos anais do futebol português. Por isso,
feitos pavões, rabos ao léu, levantamos as vistosas penas
para que todo o mundo
nos veja e nos admire. E que penas bonitas são estas, coloridas e brilhantes,
até fizeram alguns dos outros povos – principalmente os franceses – parecerem
uns galos depenados, de crista tombada.
Já se
escreveram resmas e resmas sobre este torneio europeu. Não há cão nem gato,
político ou artista, poeta ou comediante, intelectual ou jornalista que não
tenha dado a sua opinião. Alguns tiveram que mastigar e engolir o veneno das
palavras e das críticas que tinham feito antes do euro; outros aproveitaram o
momento para se mostrarem e fazerem lembrar que futebol e cultura afinal não
são assim tão distantes um do outro. E o resto do pessoal, aqueles que não
escrevem ou não usam microfones, esses todos, fossem 10, 11 ou 16milhões,
encheram praças, ruas e páginas do Facebook com cantares, cachecóis, vídeos e
fotos, porque há que mostrar ao mundo que somos todos campeões e ficámos
(todos)mais portugueses.
Eu também
fiquei muito contente. Não tenho cachecol nem partilhei fotos, mas consolei-me!
Vi quase todos os jogos do euro e passei horas ao telefone com amigos, a
descoser cada jogada e a analisar cada resultado. E, em frente do ecrã, ao ver
as imagens em alta definição, foram-me aparecendo na memória cenas antigas,
algumas já algo difusas. Este gosto pelo futebol, nasceu comigo. Explico-me: No
dia em que nasci, um domingo, o meu pai e o meu futuro padrinho tinham ido ao
velho Campo de Jogos de Angra, ver um jogo importante. Estava de visita à
cidade a primeira categoria de um dos maiores clubes portugueses, os
Belenenses. Quando regressaram a casa, eu já estava à espera deles,
possivelmente aos berros. Talvez por isso (não sei se já o era antes), o meu
pai, para fugir aos antagonismos entre benfiquistas e sportinguistas, dizia que
era adepto dos Belenenses. Isto quanto a equipas do Continente porque, na
Terceira, não havia dúvidas nenhumas, para ele e para o resto da família, o
Sport Angrense era o maior!
Lembrei-me,
ao ver na tv os filmes e fotos de craques do passado, as horas que gastei a
admirar, na sede do Angrense, os grandes mostruários que lá havia pendurados
nas paredes, com centenas de fotografias de equipas e jogos. Recordei a boina
preta do “Tractor”, as defesas do Maciel e do Barreiros, os golos do Laureano,
as fintas do Vilaverde e os passes magistrais do Aníbal “Calafona”. E de tantos
outros, eram todos, sem excepção, os meus ídolos. O que eu sofria quando o
Angrense perdia!
Também me
recordei do que sofri, em 1966, durante o Mundial da Inglaterra. Estava na
Graciosa, de férias, e acompanhava os relatos no rádio do Café Rato, do meu tio
Nelson. No jogo com a Coreia do Norte, quando ficámos a perder por três a zero,
fiquei zangado e fui dar uma volta ao Boqueirão. No regresso, arrependi-me de
não ter ficado e testemunhado a descrição do Artur Agostinho da brilhante
reviravolta operada por Eusébio e companhia. Perdi um momento histórico, só
suplantado por este que agora presenciámos. De olhos fechados, talvez no
intervalo de um dos jogos do euro, revivi as disputadíssimas partidas entre o
Graciosa e o Marítimo, de Santa Cruz. Eram equipas muito democráticas, digamos
assim. Lado a lado, jogavam o menino Mário Gregório e o moleiro Manuel Rei, o
habilidoso Mário “Preto” e o tafalhão José do Café, o professor Manuel Maria
contra o baleeiro “Faia” ou o pedreiro “Faísca”. Como não havia balneários no
campo, equipavam-se nas sedes dos seus clubes e iam, a pé, lado a lado, até ao
recinto pelado, entalado entre o moinho do Chico “Bala”, as vinhas dos
“Lambiões” e os calhaus da Pesqueira.
Mas não
era só na Graciosa que esta simplicidade existia. Naquele tempo, não havia nada
de profissionalismos, nada de exuberâncias. As botas, as camisolas, iam
passando de uns para outros; se rebentava a bola, furada por alguma pedra mais
pontiaguda, era uma inquietação para arranjar outra. As claques, muito
diferentes das organizações de hoje, primavam mais pela originalidade dos seus
ditos e pelas suas personalidades... O Ti Chico “Gamela” chamava ladrão a todos
os árbitros , enquanto o Sr. Almeida, com o seu grito de ”Essa bola pá baliza,
verdes!” incentivava uma bancada inteira. Nem precisava megafone. Como também não
o precisava fosse lá quem fosse que anunciasse que a bola tinha saltado para o
cerrado do Bailhão ou para a figueira por detrás da baliza no campo da Vila
Nova. Ficaram as saudades desses tempos e dessas figuras. Daqui a cinquenta
anos, oxalá haja ainda quem se venha a lembrar do Ronaldo, do Nani e até mesmo
do Éder. E que este título não venha a ser o único até lá, para podermos dizer
mais amiúde, que somos os melhores e que somos todos campeões, que preferimos
ser pavões espampanantes do que ouriços envergonhados. Espinhos, já bastam os
do nosso dia a dia.
Viva a
festa do jogo da bola.
Lincoln,
Ca. 16 Julho, 2016
João
Bendito
Sem comentários:
Enviar um comentário