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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Os "Monstros Sagrados" jamais serão esquecidos - Vitorino Nemésio


O açoriano universal 


Vitorino Nemésio - cujo centenário do nascimento se completa - revelou na poesia, na ficção, no ensaio e na crónica de viagem as inquietações do homem universal, com as solicitações e ansiedades da cultura da sua geração e do seu tempo, mas as raízes e motivações da quase totalidade da sua obra são visceralmente da Praia da Vitória, de Angra do Heroísmo, da ilha Terceira, em suma, da região dos Açores.


As características diferenciais do arquipélago dos Açores, perante as outras regiões do País, são evidentes. Gaspar Frutuoso (1522-1591), nas Saudades da Terra, obra que inicia a criação literária açoriana, especificou as singularidades do meio físico e da ocupação humana: "Na verdade, qualquer ilha destas, neste comprido e largo mar oceano, não é outra coisa senão uma prisão algum tanto espaçosa, e até, de coisas pequenas, quanto mais das grandes, uma muito estreita e muito mais curta sepultura."

Reconheceu o papel do homem na modificação do ambiente, o esforço da vontade e inteligência para o transformar e até contrariar as condições naturais. Todavia, os factores da insularidade e os condicionalismos do isolamento atingiram expressão literária profunda em Roberto de Mesquita (1871-1924), que viveu e morreu no exílio voluntário da ilha das Flores e, muito em especial, Vitorino Nemésio (1901-1978). O conceito de açorianidade teorizado por Nemésio surgiu no final dos anos 20 e nos anos 30, períodos de formação e maturidade intelectual, entre a publicação do Paço do Milhafre (1924), constituído por textos de ficção - um discípulo de Aquilino transferido para a realidade insular -, e a poesia, também de conteúdo insular, que reuniu em La Voyelle Promise (1935) e no Bicho Harmonioso (1938). Antecedem o Mau Tempo no Canal (1944) e a Festa Redonda(1950), obras nas quais atingiu a plenitude.

Para Vitorino Nemésio a Geografia predominava sobre a História. A açorianidade testemunhava uma idiossincrasia própria: "o nosso modo de afirmação no mundo, a alma que sentimos, na forma do corpo que levamos" (...) "uma forte variedade da nação portuguesa, criada em meio milénio no isolamento norte-atlântico.

Fora da ilha ou da região, continua a vê-la e a senti-la: A nortada encheu de ilhas o horizonte / olhando bem nenhuma è verdadeira / mas cada uma em mim tem porto e monte / que eu sou homem que vê de outra maneira.

Daí e num dos momentos altos do seu percurso, ao receber o Prémio Montaigne, atribuído pelo contributo para o património cultural da Europa e a defesa da universalidade da literatura, quando procedia ao balanço da sua vida e obra, afirmar categoriamente: Sou ao mesmo tempo e, acima de tudo, português açoriano europeu, americano brasileiro e, por tudo isto, românico hispânico e ocidental e gostava de ser homem de todo o mundo.

Decorrido menos de um século após o povoamento das ilhas, há açorianos a frequentar cursos de Leis, Medicina e Teologia em Coimbra, Évora e Salamanca. Está provado que Rui Gonçalves, natural de São Miguel, foi para Coimbra e, em 1539, ascendeu à cátedra. No século XVI, no itinerário da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, deparamos o açoriano Diogo Pereira, filho de Ana Pereira, cujo pai, o flamengo Guilherme Van der Hagen, está na origem de gerações sucessivas de várias ilhas e que tomaram o nome Silveira. Mas não foi só Fernão Mendes Pinto que falou desse longínquo cidadão dos Açores errando pelo Oriente. Também o identificou e referiu Diogo do Couto, nas Décadas.

Vitorino Nemésio, ele próprio, no seu modo de ser e de agir e através da componente da sua obra literária, constitui o exemplo do homem universal, do açoriano no mundo sempre disposto a participar no encontro de civilizações e de culturas.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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