Portanto, quanto aos modos de vida, conserva um pé
dentro e outro fora. Deixa-te fascinar pelas identidades e pelas tradições —
pelas histórias que contam, pela História de que são mensageiras. Mas não te
esqueças de conservar um pé dentro e outro fora.
Aprende a ser visitante na tua terra como a fazer-te de casa em terra alheia.
Cultiva o choque e o contraste, os cambiantes e as camadas.
Mas não abandones o teu lugar - não te deixes puxar para baixo até um ponto
que te embruteça nem suficientemente para cima até teres de representar um papel.
que te embruteça nem suficientemente para cima até teres de representar um papel.
Sobretudo isso: enquanto puderes, ignora os arquétipos e aquilo que julgas
esperarem de ti. Rejeita as unanimidades, as ideias definitivas, as equipas. E,
quando te achares absorto de indignação, procura descer um grau para a
perplexidade.
A perplexidade é o gesto mais negligenciado deste tempo. Não construas sistemas
filosóficos em torno da tua perplexidade. Aprende a surpreender-te.
Aprende a amar a perplexidade.
E conserva um pé dentro e outro fora - sempre um pé dentro e outro fora. Não
procures pertencer ao que não pertences. Não te envergonhes daquilo a que já
pertenceste. Arrepende-te e tenta de novo.
Soma hipóteses, em vez de as excluíres. Deixa-te maravilhar com a simples
possibilidade. E - muito importante - proíbe-te de gostar e não gostar.
Não elimines porque não gostas nem chames os acrobatas porque gostas. É o grau
zero do pensamento, este nosso gostar e não gostar de hoje. Deixa-te
impressionar por aquilo de que não gostas – encantador será poderes começar a
gostar disso também.
Não sejas cínico: sê múltiplo. Aprende a povoar-te. Evita os absolutos. Ama o
que puderes.
Faças o que fizeres, e quanto aos modos de vida, conserva um pé dentro e outro
fora - e fá-lo tanto se viveres no campo como se viveres na cidade.
Joel Neto, in 'A Vida no Campo'
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