César a concurso
Tenho quase a certeza de que Carlos César ganharia, com facilidade, o concurso televisivo “Os extraordinários”.
É o que olha para equações matemáticas que deixariam Einstein a coçar o cocuruto e dá o resultado em segundos. É o que dá uma mirada leve em dois quadros de pintura, praticamente iguais, e descobre a única diferença entre eles num ápice. É o que revela uma memória tão prodigiosa que se lembra do que ainda nem aconteceu. É o que resolve o cubo mágico de Rubik a andar de trotinete, aquilo é só malta que nos deixa com a boca aberta.
Perguntará ansioso o leitor: então como é que um homem que nunca revelou grande jeito para fazer contas, falhando até estrondosamente na prova das nove (ilhas); que nunca conseguiu descobrir que estes calhaus são todos diferentes; que tem claros problemas de memória, nem recordando certas coisas graves que andou a fazer, e que pensa que o cubo de Rubik é a amostra para a tijoleira de uma casa de banho ousada, como é que esta criatura conseguiria ganhar aquele exigente concurso?
Facilmente, digo eu. Bastaria ir lá e dizer: “Eu não dependo e nunca dependi da política”.
Seria tal afirmação suficiente para catapultar o nosso imperador de trazer por casa para a vitória no concurso? Na minha opinião, sem a mínima dúvida. Pelo menos até hoje, os que ouviram em directo e aqueles a quem contei que César o disse na RTP-A, todos apenas têm força para exclamar: “É extraordinário”.
Claro que muitos acrescentam coisas do género “é preciso ter lata”, “não tem vergonha na cara” e outras expressões de indignação. A verdade é que sempre foi comentado por toda a gente não ter César profissão, ou, tendo-a, nunca ter praticado a mesma. Se assim não é, pela boca do próprio, era uma ocasião de ouro para esclarecer o assunto. Nem que fosse para dizer que possui rendimentos que o tornam independente quer dos proventos que lhe trouxe a política, quer, sequer, da necessidade de trabalhar…
Gostaria de ter visto Mota Amaral derrotado nas urnas. Mas ele decidiu sair e não se candidatar, com a célebre frase “se é para sair, saio já”. Assim sendo, não houve nunca um debate entre César e Mota Amaral, como candidatos. Apenas birras parlamentares e nunca entre iguais.
O programa da RTP-Açores prometia, então. Ainda por cima com o apelativo nome de “Sem meias palavras”. Vã esperança. Os dois políticos trataram-se com uma delicadeza quase a roçar o amor. Auto elogiaram-se, elogiaram-se um ao outro, tentaram resumir os seus longuíssimos mandatos, culparam a mãe natureza por não terem feito mais, mas não acrescentaram nem meia palavra ao que já todos sabíamos.
Apenas César fez algumas revelações. Algumas públicas, como o facto de a família estar quase toda envolvida na política, passado, presente e futuro, obviamente com um sentido de dever cívico e uma vontade de fazer o bem público que ultrapassam a raridade… Outras privadas, como ter levado duas tareias em menos de 24 horas, a primeira na faculdade (que frequentou), ministrada pelos estudantes comunistas, a segunda em Ponta Delgada, da autoria da FLA. Espero que não tenha caído nenhuma no chão… E depois veio esta, extraordinária, de não depender nem nunca ter dependido da política…
O jornalista cumpriu a sua função de não querer aprofundar nenhuma dessas matérias e tudo acabou numa paz de bocejo.
Podiam, ao menos, ter falado de como acham que estão os Açores, nos nossos dias. Depois de terem governado cada um vinte anos, isto devia ser o paraíso. Mas está longe disso. O que é, só por si, extraordinário…
António Bulcão
(publicado hoje, no Diário Insular)
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