A surpresa de Costa
O que quer dizer António Costa, quando se confessa surpreendido pelas declarações de Carlos César em relação a Manuel Pinho e José Sócrates?
Com tais declarações, causou a saída de Sócrates do PS, fê-lo vir para os jornais a manifestar o seu fel.
Por que ficou surpreendido António Costa, Secretário-Geral do PS?
Não sabia Costa que os militantes do partido do qual é o mais alto dirigente estão tristes, envergonhados, enraivecidos e revoltados? É em relação à substância que ficou surpreendido? Não cremos. Já deveria ter ouvido algum zum zum no que respeita a esses sentimentos, ou, no mínimo, ter sido informado por César de que a coisa está desta maneira…
Sabia Costa desta vergonha generalizada, mas não esperava que César a tornasse pública, pelo menos nesta altura, com ele fora do País, em mês de Congresso do PS e a pouco tempo das eleições?
O que mudou desde as romarias de socialistas à cadeia de Évora, procissões nas quais se incorporaram Costa e César? Eram todos amigos de Sócrates, invocavam o Estado de Direito Democrático logo que o guarda prisional lhes abria a porta de saída, recitavam em coro o velho princípio romano de que todo o acusado se presume inocente até sentença condenatória, exaltavam-se com a simples possibilidade de haver condenações na praça pública. O que mudou desde esse tempo?
Mudou o conceito de Estado de Direito Democrático, com a sua separação de poderes, que levou o PS a repetir até à exaustão que “à política o que é da política, aos tribunais o que é dos tribunais”? Não, não mudou.
Mudou o princípio jurídico da presunção da inocência até sentença condenatória transitada em julgado? Não, também não mudou.
Mas a verdade é que César condenou Sócrates. Disse que a vergonha em relação ao José era ainda maior que em relação ao Pinho, porque tinha sido 1º Ministro. Depois veio tentar emendar a coisa, com o truque dos “ses”, “se se vier a confirmar”, mas o mal estava feito. Para quem ouviu César, Sócrates é culpado mesmo sem julgamento e constitui uma vergonha para os socialistas.
O que quer então César, com palavras que surpreenderam António Costa? Na minha opinião, apenas desviar as atenções que, nos últimos tempos, se centraram nele. Não é vergonha dar empregos a familiares nem ganhar dinheiro do Estado ilegalmente com os reembolsos das passagens. Ou, mesmo que seja, os outros, os que foram apanhados, são piores. No caso de César, falamos de milhares. No caso de Pinho e de Sócrates a coisa põe-se em termos de milhões…
César não disse nenhuma mentira. É realmente uma vergonha o que se diz terem feito Pinho e Sócrates. Mas já o era, no caso de Sócrates, há muitos anos. O que se juntou foram outras vergonhas, algumas que respeitam a César. E não são apenas os socialistas a se sentirem enraivecidos. São todos os portugueses, com esta falta de vergonha geral, em que os que se deviam sentir envergonhados dos próprios actos são os primeiros a atirar pedras a outros.
Só que, desta vez, acho que César foi longe demais. Não tinha o direito de aproveitar a ausência de António Costa no Canadá para incendiar tudo à sua volta, como é seu costume. Costa notoriamente não gostou de ser surpreendido. Como nenhum general gostaria de ver um capitão a pôr-se em bicos de pés à sua frente, comprometendo a estratégia e pondo em causa o êxito de batalhas vindouras.
Em política não há gratidão, sabe-se disso. Quem não sabia, veja o que César dizia de Pinho e de Sócrates. Quem ainda ficar com dúvidas, esteja atento à forma como Costa tratará César no futuro. Embora não lhe deva nada…
Ficaremos talvez sem saber em que parte Costa ficou surpreendido. Mas há mais uma declaração enigmática. A de Manuel Alegre, quando afirma poder ter-se aberto uma caixa de Pandora.
Nós não sabemos, mas Alegre deve saber. Quer quantos mais “socialistas” serão corruptos, quer o que poderá revelar Sócrates se o mesmo decidir soltar-se como o animal feroz que sempre disse ser… Mário Soares parecia temer tais revelações. Alegre ainda as teme. César não… É a diferença entre um verdadeiro político e pobres amadores…
António Bulcão
(publicado hoje, no Diário Insula
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