Não poupas ninguém, logo tu, que devias ser poupado.
São os polícias que te guardam no bolso para esquecer a multa dos que partem em velocidade ainda maior daquela a que vinham. São os médicos que se deixam apanhar nas teias da propaganda médica. São os advogados que levam as suas sociedades para a Assembleia, para facilmente serem produzidas as leis que lhes dão mais jeito. São até juízes que se deixam comprar para lavrar a sentença que agradar mais a quem lhes paga…
São políticos, ministros, o primeiro deles embora antigo, que se deixam corromper, vendendo-se por tão pouco, uma passagem aqui, um bilhete mais além.
E tu a rires, dinheiro. A rires a bandeiras despregadas da fraqueza dos homens. Da sua vontade de se sentirem importantes e poderosos. Que nojo me metes, dinheiro…
Hoje em dia já não se fala de dezenas, nem de centenas, nem sequer de milhares. São logo milhões de euros, quando a notícia é de corrupção. Subiste a parada, vil metal.
Mas o que mais me custa é que te estás a meter em lugares e em mentes que dantes desprezavas. Queres ser rei absoluto.
Há pouco tempo, parava numa bomba de gasolina para meter combustível. Era raro haver bichas para pagar. Agora esperamos, porque há filas à espera para registar o placard.
Os cafés estão cheios de raspadinhas e de euromilhões para meter na máquina. Um homem à espera na fila para beber um sumo, atrás dos que querem ficar ricos.
Fazes acreditar a todo este povo que a sua vez chegará. De vez em quando, muito raramente, contemplas um ou outro, como eu faço com o engodo para apanhar carapau. É a mulher que ficou multimilionária de repente e já estampou contra paredes três carros de luxo. São os namorados que se amavam muito até lhes saírem os números da sorte mais duas estrelas, e lá vão odiar-se para tribunal para ver quem fica com tudo.
Vejo beneficiários do rendimento mínimo, agora caritativamente chamado de subsídio de reinserção social, a rasparem furiosamente em tabernas.
E os velhos a ligarem para a TVI, na esperança de que Portugal ao vivo lhes bata à porta em forma de Goucha e acabe com a contagem dos cêntimos da pensão miserável.
E o feliz contemplado é… Como te divertes à nossa custa, dinheiro.
Muito triste, vou continuar a afiançar-te: a mim não me compras. Mas sei que tudo e quase todos já são teus.
António Bulcão
(publicado hoje no Diário Insular)
Sem comentários:
Enviar um comentário