Baptista Bastos: "Esforço-me para que as pessoas gostem de
mim"
Helena Teixeira da Silva
Está de férias no Ribatejo. Baptista Bastos, 73 anos,
atende o telefone, disponível para responder à entrevista no imediato. Mas
também aceita que possa ficar para o dia seguinte. O jornalista e escritor
interrompe o livro de memórias durante 29 minutos. Alguém duvidará da razão
pela qual é controverso?
António Lobo Antunes só costuma conceder
entrevistas a quem leu a obra dele completa. Também só fala com quem conhece o
seu percurso jornalístico de 50 anos?
Não conheço o Lobo Antunes.
Quer dizer que ainda não fizeram as
pazes?
Não sei quem é. Li só um livro dele.
O seu estilo de entrevistar é reconhecido. Qual é o par que mais respeita?
Na televisão, é o Mário Crespo.
E nos jornais?
É mais difícil, embora eu leia todos os
jornais… mas deixe-me cá ver…
Anabela Mota Ribeiro?
Não, não… A entrevista para mim é outra
coisa… É o Mário Crespo definitivamente que se aproxima mais da ideia que eu
tenho de entrevista.
Por que desatou a perguntar a toda a
gente onde havia estado no 25 de Abril?
Queria saber onde não estiveram. É uma
data importantíssima. Costumo dizer que é a minha data do coração.
Data a que o tempo fez jus?
Não. O 25 de Abril não foi cumplido.
Foi traído pelo PS.
Alguma vez chegou a sentir a inveja de que
o seu editor, n’”O Século”, Acúrcio Pereira, disse que iria padecer?
Ele era chefe de redacção; na altura ainda
não havia editores. Editor, em Portugal, não quer dizer coisa rigorosamente
nenhuma. É uma cedência do jornalismo português ao jornalismo anglo-saxónico.
Eu comecei muito novo a trabalhar n’”Século”, que era, de facto, considerado
uma universidade. O Mário Zambujal até lhe chama “catedral”, porque saíamos
dali como profissionais muito apetrechados. E eu, como vinha de uma tradição
literária, comecei a fazer jornalismo de autor, muito marcado, e foi nesse
sentido que Acúrcio Pereira disse: “Eh, pá, vais sofrer invejas”. É uma coisa
terrível. Mas eu não dou muita importância a essas coisas. Aliás, eu nunca me
levei muito a sério. As pessoas que se tomam muito a sério são umas
desgraçadas. Tomo a sério os outros.
Miguel Sousa Tavares disse,
recentemente, o contrário: que se acha superior e que age como se o país
estivesse sempre em dívida consigo...
O Miguel Sousa Tavares tem um problema
gravíssimo: pensa e escreve como o Miguel Sousa Tavares.
O que quer isso dizer?
Quer dizer rigorosamente o que acabei
de dizer. É um escritor que não existe e um jornalista que dá vontade de rir.
Diz e faz as coisas como lhe apetece. Qual é o preço?
Não podia fazer à maneira do Miguel
Sousa Tavares, senão era uma maneira muito mal feita.
A integração dos jornais em grandes
grupos económicos restringe a nossa liberdade?
Mas isso é resultado da globalização e do
mercado livre, que permite tudo. Hoje, qualquer pessoa chega a director de
jornal com uma rapidez impressionante, qualquer pessoa começa a escrever
artigos de opinião. Não pode ser! Perde-se completamente a credibilidade. Se
calhar sou anacrónico, penso de outra maneira, sou de outro tempo… Mas eu
trabalhei em grandes jornais, e aquelas redacções metiam medo, porque cada um vigiava
o outro. Era um jornalismo que recusava essa grande tese da distanciação; era
um jornalismo da proximidade o que nós fazíamos. Aliás, não entendo essa coisa
da distanciação quando a única coisa que o jornalismo pode ser é justo,
procurar a justeza das coisas. Quanto mais aproximados estamos, mais entendemos
os factos.
Quando fala de proximidade não está a
referir-se a uma proximidade geográfica… Digo isto, porque os jornais têm
investido em edições múltiplas, com destaques diferentes para cada região do
país…
Não, não. Falo de aproximação no sentido do
compromisso com o leitor. A tese da distanciação é como se o jornalista não
tivesse nada a ver com a notícia, como se o director e o chefe de redacção não
tivessem nada a ver com o jornalista, e o jornal não tivesse a ver com nada. A
distanciação é absurda.
Os jornais estão a perder leitores. Acredita na inversão do cenário?
Os
jornais vendem menos porque estão cada vez estão piores, não correspondem às
necessidades e aspirações das pessoas, nem fornecem o retrato da sociedade
portuguesa. Veja este caso exemplar: como é possível que durante 15 dias, as
televisões, os jornais e as rádios tenham estado a massacrar-nos a cabeça com
um problema de dois cavalheiros - Paulo Teixeira Pinto e Jardim
Gonçalves - cujo problema é pessoal? São pessoas, ao que julgo saber, que
ganham mais de 50 milhões por ano. Joe Berardo, com aquela forma que lhe é
própria disse esta coisa espantosa: “O Jardim tem 40 guarda-costas e aviões
particulares”. O que é isto? Isto não pode ser. Aquilo é uma empresa privada,
certo, mas as coisas têm que ter um mínimo de ética e moral. Os jornalistas não
fizeram uma interpretação factual daqueles acontecimentos. Como vivem? Como
educam os filhos? É importante saber isso. Eu tenho três filhos formados e
vi-me à nora para os licenciar. Tive que abdicar de muitas coisas. Ninguém nos
ajudou. Mas sim, sim, sim, há aí uma nova geração de jornalistas que está a
perceber que não pode ser enganada. E isto vai dar frutos, evidentemente.
O futuro da imprensa passa pelos
textos curtos ou bem escritos?
Sobretudo bem escritos. Não entrem nessa
espécie de depressão que tem sido provocada por uns tipos medíocres que
transformaram o jornalismo numa espécie de tabelionato. Há uma frase de um escritor
que admiro muito: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Já viu o bando de
medíocres que está nas escolas de Comunicação Social sem saber fazer uma
notícia?
Os textos de necrologia deveriam regressar
às páginas dos jornais?
É uma das notícias mais difíceis, mas o
Miguel Sousa Tavares não percebe nada disso, julga que o jornalismo é outra
coisa. Há grandes jornalistas que fizeram grandes necrologias. Basta ler o
terceiro volume de “As farpas”, de Ramalho Ortigão para perceber o que é fazer
uma necrologia.
Ser-lhe-ía mais apetecível escrever as
suas memórias ou um manual de jornalismo?
Manuais, nem pensar. Dei aulas numa
Universidade. Começaram com 21 alunos e acabaram com 40. Mas isso aconteceu
porque eu levava livros do Sena, do Nemésio, do Eugénio de Andrade e discutia
com eles. Estou há muito tempo a escrever um texto memorialistico. Não é que a
minha vida tenha alguma importância, mas nela atravessou-se muita gente.
Conheci meio mundo. Ainda ontem estive a terminar um texto sobre Aquilino
Ribeiro. Eu conheci-o. Ele gostava muito de mim. Foi essa gente que formou o
homem que eu sou. Gente que tinha o conceito da ética, da moral, da
deontologia, e que a aplicava a todos os sistemas de vida.
Está na casa de Constância, no
Ribatejo. O que faz aí?
Leio e escrevo no computador.
Tinha de si uma imagem mais romântica:
a do homem que ainda escreve à mão...
Mas escrevo à mão. Num Moleskine onde
aponto uma data de coisas e com uma Mont Blanc. Só depois passo para o
computador.
Que relação tem com a internet?
Vasculha blogs?
Não percebo nada disso, nem quero.
Gosto do papel impresso, do cheiro dos jornais e das redacções. Aos blogs falta
o suor, o cheiro dos corpos, a gritaria…
Ameaçou não votar nas eleições
intercalares de Lisboa...
... e não votei. E disse ao António
Costa, que conheço desde pequeno, que não iria votar nele, porque ele é
cúmplice das malfeitorias que este Governo tem feito. É das coisas mais
lamentáveis que tenho visto. Felizmente, não votei neles.
Critica a Esquerda por estar mais à direita
que a Direita._Mas também não se revê na Direita. É um órfão político?
Sou um homem de Esquerda, irremediável
e jubilosamente.
Mas não é deste PS?
Este PS não tem nada a ver com a
Esquerda. Sou de uma Esquerda muito rebelde, que contesta as coisas, que leu
Marx, mas que não recusa a bíblia. Que se encontra onde encontra o humanismo.
Estamos a precisar de gostar uns dos outros.
Gosta que gostem de si ou basta-lhe
que o respeitem?
Gosto muito que gostem de mim e faço
grandes esforços para isso, sobretudo com as mulheres.
Porque razão diz que a vida só é
bonita se for difícil?
Eu sou muito feliz. Não há nenhuma pessoa
feliz, mas poucos homens estarão tão perto da felicidade como eu. Casei com uma
mulher que me tem aguentado tudo, tenho a profissão que escolhi e é verdade, a
vida só é bela quando é difícil. A gente só gosta das coisas que custam a
adquirir. Tenho tantos amigos, que nem julgava que os tinha. Não tenho medo de
dizer as coisas. Não gosto da mediocridade, da soberba, da arrogância. Não
gosto daqueles jornalistas - e estou a pensar num em particular, e do qual já
disse o nome - que querem ser os catões da moralidade quando na verdade tem
telhados de vidro. As pessoas têm que ter com os outros uma relação de respeito
e admiração. Eu admiro tanta gente que, às vezes, os meus amigos dizem: “Tu
admiras demais”. Tenho um grupo que se reúne todas as sextas-feiras. Somos os
“Empatados da vida”, aqueles que nem venceram, nem foram vencidos.
Quem são?
O Mário Zambujal, o João Paulo Guerra, o
Eugénio Alves, o professor António Borges Coelho, o Fernando Dacosta e o José
Manuel Saraiva. Não queira saber o que nós nos divertimos.
Gostava de ser uma mosquinha nessas
tertúlias…
Posso convidá-la, se quiser. Às vezes,
convidamos pessoas. O último foi o Luís Filipe Menezes.
A idade ainda é um posto?
A idade não, a amizade é que é um posto.
Amigo nunca trai amigo.
Recentemente, morreram dois dos seus poetas
de eleição: Mário Cesariny e Eugénio de Andrade. Lê-os agora de forma
diferente?
Tenho uma colecção de poesia que, se
calhar, muitos poetas não tem. A poesia ajudou-me a melhorar a prosa. A poesia
e a pintura. Percebi isso muito cedo. Andei em arquitectura, e andei a chumbar,
e percebi com Van Gogh e, mais tarde, em Leninegrado - continuo a dizer assim e
não São Petersburgo -, no Museu Hermitage, com parte substancial da obra de Picasso,
o que era o adjectivo na prosa, com cor, mas com contenção. Não é atirar
adjectivos aos molhos como faz o Lobo Antunes.
Raul Brandão, um dos seus escritores,
escreveu: “A verdade amarga e única é esta: é que na vida é preciso sonhar para
não se morrer transido, tantos são os pontapés que a gente leva na alma e
noutra parte”: Concorda com ele?
Ainda ontem estive a reler parte de “A
Farsa”. É assim. Sou incapaz de pensar numa pessoa que não sonhe. Pode viver
sem ideias, mas não pode viver sem sonhar. A vida seria insuportável
A sua vida é um acto poético?
Sempre foi; sempre será.
Vai continuar a resistir à gravata em
prol do laço?
Paginei o “Diário popular” e a gravata,
naquela tipografia tradicional, ficava sempre cheia de tinta. Passei a usar laço.
O nó do laço é mais fácil de dar do que o da gravata. Sim, porque não os compro
feitos.
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