Da minha janela espreitando o facebook

JOÃO PAZ  

O rapaz de pé descalço

A escola fica a dois quilómetros. Era a distância que Pedro fazia a pé descalço para estar nas aulas. Há dias em que chegava à escola com o dedo do pé ensanguentado de uma topada que dera. E era o professor que fazia o curativo.

Nos problemas de matemática o professor separava os alunos que tinham a solução correcta do problema dos que não tinham. Uns ficavam do lado da janela da sala de aula e os outros do lado contrário. E o professor alternava sempre o espaço para que nunca soubessem quem estava certo ou errado.

Certo dia Pedro foi o primeiro aluno que resolveu o problema e foi para o lado da janela. Todos os outros alunos foram resolvendo o problema e foram sendo colocados pelo professor do lado contrário ao do Pedro. Cedo a criança começou a temer que era o único aluno que tinha o problema errado.

Era notória a satisfação de vitória como os colegas do Pedro foram olhando para ele. Até que o último resolveu o problema e foi juntar-se aos outros.

De um lado da sala estava o Pedro e, do outro lado, todos os outros alunos da turma.

Pedro baixou a cabeça triste à espera da decisão do professor.

- O único que tem o problema certo é o Pedro, podem sentar-se! - disse o professor.

E o rapaz de pé descalço levantou a cabeça e os olhos e foi então que vimos que as lágrimas corriam-lhe pelo rosto. Virou-se e sentou-se no seu lugar num movimento em que se notou que tinha as calças remendadas.

Finda a aula, Pedro fez os mesmos dois quilómetros de regresso a casa. Pelo caminho, apanhou umas flores brancas de incenso para levar consigo e oferecer à mãe. Contou-me que a mãe as colocava num copo cheio de água para aguentarem mais tempo.

Ainda hoje o conheço. Costuma tomar café comigo. Tomar as minhas refeições. Veste a minha roupa. Calça os meus sapatos. E vive os meus sucessos e insucessos.

Mas não é por isso que o tenho na memória!

O que nunca vou esquecer é aquele dia em que o vi chorar porque todos os seus colegas de turma tinham o problema de matemática errado!

(História verídica vivida numa aula da antiga escola primária)