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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

De Osvaldo Cabral - Jornalista e Diretor do Diário dos Açores


Um belo "cartão de visita"!

Há dois rostos que ficarão associados, para sempre, ao descalabro da SATA: Carlos César e Vasco Cordeiro.
Ambos tiveram 22 anos para transformar a companhia numa das melhores e mais eficientes à sua dimensão.
Houve mesmo uma altura em que todos acreditávamos que a SATA ia lá, quando era presidida pelo Eng. António Cansado, o gestor que deixou a empresa com um lucro de 4,9 milhões de euros em 2007, 22 milhões de provisões e mais 42 milhões em tesouraria, sem necessidade de recorrer às operações de financiamento actuais, que estão a enterrar a SATA.
A partir do momento em que o dispensaram, porque não obedecia às orientações políticas desastrosas do governo, a empresa entrou em turbulência continuada até à queda a pique.
Ambos os presidentes dos dois governos regionais deixam-nos, como herança, uma empresa com um passivo aterrador, dívidas monstruosas, operações falhadas, nomeações vergonhosas, orientações ruinosas e mais de 1.300 colaboradores desmotivados e desorientados.
Foram duas décadas de escolhas erradas e de estratégias nefastas, algumas delas ainda hoje se mantêm.
Veja-se o caso do A330, o avião da baleia, que o governo agora anunciou que vai desfazer-se dele, devolvendo-o ao respectivo dono ou sub-alugando.
Foram precisos três anos para baterem com a cabeça na parede até chegar à conclusão que o Eng. António Cansado tinha avisado.
Num célebre dia de Maio de 2015, o ex-Presidente da SATA foi chamado à Comissão Parlamentar de Inquérito ao Grupo SATA e deixou os deputados, sobretudo os do PS, boquiabertos, quando disse textualmente: “A compra do A330 é uma asneira que poderá ser um precipício para a companhia”.
Aí está, três anos depois lá se vai o avião baptizado por Nelly Furtado, numa cerimónia em que Vasco Cordeiro fez questão de presidir e fazer um discurso de fé no futuro da SATA.
Valha-nos Nossa Senhora dos Ares que não se concretizou a vinda de um segundo A330, como estava previsto, porque entretanto o famigerado Luis Parreirão pôs-se de malas aviadas.
Uns meses depois , ainda em 2015, SATA e governo apresentam, com pompa e circunstância, mais um Plano Estratégico para o horizonte 2015-2020.
Agora é que era: segundo Vítor Fraga, o Plano era a garantia “de termos uma empresa preparada para os desafios do futuro “...
E sabem o que constava do novo Plano?
“Renovação e redução das frotas de aviões, a renegociação de uma dívida de 179 milhões de euros e a diminuição de custos num ano”.
Exactamente o mesmo discurso que agora Vasco Cordeiro e Ana Cunha anunciam, com um novo Plano de Reestruturação, só que agora até 2021, e para dar lucro!
Alguém acredita nisso?
Os responsáveis políticos e os inúmeros gestores deixaram a SATA numa grande embrulhada, ao deteriorarem a situação financeira da empresa num estado em que quase que já nem consegue “a contracção de dívida bancária adicional de curto-prazo para o cumprimento de responsabilidades correntes”.
A reestruturação financeira que agora se anuncia, pela enésima vez, vai ser mais um enorme encargo, a longo prazo, para a empresa, com condições de financiamento cada vez mais penalizadoras, com uma taxa de juro média que ultrapassa os 7% de há três anos.
Há mesmo bancos, como a Caixa Geral de Depósitos, que já exigiram, em troca de financiamento, uma declaração por escrito, em Jornal Oficial, do Governo Regional a comprometer-se que a Região não cederá a maioria accionista.
Talvez esteja aqui uma das explicações para o impasse das negociações com a Icelandair. 
A explicação de Vasco Cordeiro para as opções desastrosas que foram tomadas nestes anos não são convincentes.
Na entrevista que concedeu à RTP-Açores, o Presidente do Governo justificou os défices sucessivos com o papel da SATA no mercado, nos anos de crise, trazendo fluxos turísticos para salvar o sector.
É um argumento que só clarifica a gravidade das orientações do governo, porquanto obrigou a SATA a fazer operações comerciais ruinosas sem que o governo tivesse compensado a companhia por esta incumbência.
Se nos lembrarmos dos resultados desta operação, nos anos de crise, é fácil perceber que tudo falhou, porque, mesmo assim, houve hotéis que fecharam, o desemprego aumentou e o sector não criou riqueza que se visse.
A dinâmica do turismo só se verificou com a liberalização de 2015, contra a vontade do Governo Regional e dos deputados do PS, que queriam a continuidade do modelo de monopólio concessionado.
Chegamos tarde e a más horas a esta dinâmica crescente, deixando a SATA enterrar-se, enquanto que, já em 2003 - imagine-se - o fenómeno das viagens regulares das companhias low-cost se iniciavam, com a entrada em Portugal da Easyjet.
A Madeira chegou muito primeiro do que nós - como sempre -, abrindo o seu mercado à Easyjet em 2008, com os resultados que se conhecem, o mesmo acontecendo com o Algarve, que assentou grande parte da sua dinâmica turística nas low-cost, sobretudo com a chegada da Ryanair.
Várias regiões do país assentaram a sua dinâmica nas low-cost, estendendo-se a Lisboa e Porto, com o sucesso que se conhece, enquanto que os Açores, ao invés, teimava em assentar a sua estratégia num modelo de monopólio e de protecção à SATA, que só a prejudicava.
Mesmo agora, se repararmos bem, os 32 milhões de euros de prejuízo, só deste semestre, quase que anulam o valor das receitas da hotelaria tradicional no mesmo período.
Ou seja, a riqueza que estamos a criar no turismo é para pagar os prejuízos da SATA.
E o que vem aí, até ao final do ano, em termos de compromissos, não é boa notícia.
Na manutenção da TAP em Lisboa estão motores dos A310, como o último desta semana que se despediu para a sucata, à espera de pagamentos para os devolver aos respectivos donos.
Há alugueres de motores que estão por pagar.
Há tranches dos novos A321 para pagar.
Há o resto do fretamento dos aviões deste Verão para pagar.
E há ainda (pelo menos até há poucos dias) o pagamento em atraso à FIA Eurosport do patrocínio do Rali Azores Airlines, o que pode pôr em causa o próximo calendário ERC.
Face a este cenário, dizer que uma empresa falida, que deve a toda a gente, que teve novamente uma operação desastrosa este Verão, é o “cartão de visita” dos Açores, como disse esta semana a Secretária dos Transportes, só se for para nos envergonhar a todos.
E o mais triste é que não é por causa dos bons profissionais da SATA (que nem merecem o que estão a fazer à empresa), mas dos senhores políticos que deram cabo dela.
Agora dizem-nos que vem aí o Pai Natal em 2021 para tirar a empresa dos resultados negativos estratosféricos.
Resta saber se vem de trenó ou em mais um A330...

Outubro 2018

Osvaldo Cabral 
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimedia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal, Milenio Stadium Toronto)

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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