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sábado, 24 de novembro de 2018

Homenagem ao escritor DANIEL SÁ

                                                    

COMUNIDADES

DANIEL DE SÁ À CONVERSA COM ONÉSIMO

Lelia Nunes | 

PARTE 1

Onésimo - Olá amigos, Boa noite! Eu devia ser mais formal e dizer telespectadores. E mais moderno, telespectadores e telespectadoras. Mas a ideia é fazer deste programa, desta série de programas, uma conversa à noite sentado ao sofá, apesar da formalidade de estar aqui com uma gravata nesta camisa de forças, e o meu convidado de hoje, o Daniel de Sá também está ali numa camisa de forças. A ideia é fazer uma conversa com personalidades açorianas e não açorianas para falar dos Açores. Será dentro destas balizas que manteremos esta série. Foi o desafio que a RTP fez. 
Aceitei com imenso gosto, porque costumo dizer que é com imenso gosto que regresso aos Açores, mas depois corrijo. E digo. Não regresso, porque não se regressa a de onde nunca se partiu. E eu nunca parti daqui, da Ribeira Grande. Estamos no Teatro Ribeiragrandense. E o Daniel de Sá é da Maia, do mesmo Concelho. Parece que foi de propósito. Ele hoje não é Daniel de Sá, ele hoje é Daniel de cá. Somos ambos de cá. 
Daniel - É verdade. 
Onésimo - Fiz exame de 3ª e 4ª classe aqui na Ribeira Grande. 
Também estive aqui com o orfeão do Seminário, ali à direita, na primeira voz. Demos umas fífias aqui. 
O primeiro convidado é o Daniel de Sá. Não foi de propósito, foi por acaso. 
Quem conhece o Daniel sabe que é muito difícil saber se ele se vai deslocar da Maia, porque o Daniel de Sá tem de dormir a sua sesta. Estamos a conversar em família e não sabíamos se o Daniel de Sá vinha. Mas se Maomé não vai a Meca, Meca vai a Maomé. Então, a RTP veio à Ribeira Grande para ter a certeza que Daniel de Sá vinha da Maia. 
Daniel - Ficaram a meio caminho. 
Onésimo - Encontrámo-nos há muito anos, pela primeira vez, nas páginas do jornal Açores, numa conversa ingénua sobre evolucionismo. 
Daniel - Exactamente. 
Onésimo - Passados estes anos todos, voltamos aqui para falar, não da tua vida, Daniel de Sá. Pois o Daniel de Sá tem uma coisa curiosa: não tem biografia. A sua biografia é: O Daniel nasceu na Maia, vive na Maia e, se Nosso Senhor lhe der vida e saúde, quer morrer na Maia. A tua biografia é a tua obra. 
Daniel - Exactamente. 
Onésimo - A tua biografia é a tua obra. Hoje, temos uma coisa em comum, além do mais, eu venho de Boston, não dormi nada a noite passada, tu não dor-miste a tua sesta. Se adormecermos aqui, façam o favor, apaguem as luzes, para a despesa não ser tão grande. 
Como disse, Daniel, a tua biografia é a tua obra. Tu, na Maia, metido naquele canto, tens viajado imenso pelo universo de uma obra que hoje é notável. 
Além de ser teu amigo, sou teu admirador. Mas, vou parar de falar, porque eu gostava é que tu começasses. 
Fala-me disso. Recordo-me perfeitamente do teu livrinho Sobre a Verdade das Coisas, em que te revelaste um exímio contador de histórias. Queres falar dessa tua primeira experiência? 
Daniel - Não é a primeira, é a segunda. A primeira foi a Génese. 
Onésimo - Sim. Mas fala-nos então do contador de histórias. 
Daniel - Foi talvez o livro mais fácil de escrever. Foi um livro contado pela avó de minha mulher, por amigos de mais idade, por gente que conheci, algumas histórias que eu vivi também. É um daqueles livros fáceis. E talvez, por isso mesmo, atraia o público leitor. Porque está ali toda a espontaneidade da realidade. Sem ficção praticamente nenhuma. Como disse na altura, foi a ficção ao serviço da realidade e a realidade ao serviço da ficção. Por acaso, agora acaba de sair a 2ª edição. 
Onésimo - Dizes que a tua primeira edição era um livro humilde e está cheíssima de gralhas. 
Daniel - Sim. Tinha mais de 300 gralhas. 
Onésimo - Por detrás daquelas gralhas todas e humilde apresentação envergonhada estava de facto o contador de histórias. 
Daniel - Com boa intenção, percebia-se talvez isso. Sim. 
Onésimo - Aquilo não eram restos da tua modéstia que aprendeste na tua experiência? Quando assinavas Augusto de Vera Cruz. Que era o teu pseudónimo. 
Daniel - Exactamente. Augusto de Vera Cruz. 
Quando se fala de modéstia, não sei muito bem o que se quer de dizer com isto. Muito menos a falar de modéstia a meu respeito. 
Onésimo - Reconheces que não és modesto; és orgulhoso? 
Daniel – Sou. Acho que toda a gente tem de ser orgulhosa, se não não faz nada. A não ser que estejamos a falar de santos. 
Gosto de ter eco. Gostei imenso de te ouvir chamar-me essa série de nomes. Apesar de seres um amigo. Mas sei que és um amigo sincero. 
Onésimo - Posso estar a dizer umas mentiras... 
Daniel - Posso é não me exibir, e realmente não sou exibicionista. Isso sei que não sou. Tenho aquele orgulho de gostar de ver uma coisa bem aceite. E bem lida e apreciada. 
Onésimo - Não conheço ninguém que tenha escrito um livro e que diga: Eu escrevo um livro porque eu quero apanhar porrada. 
Daniel - Com certeza. Estamos absolutamente de acordo 
Que mais querias que eu dissesse? 
Onésimo - Sobre a Verdade das Coisas é um mundo muito da tua Maia. Nós tínhamos tido a experiência do Cristóvão de Aguiar sobre o universo do Pico da Pedra. Aquelas pequeninas histórias, sem terem um nexo lógico, sem haver uma sequência. Pequenos retratos, de um mundo riquíssimo, interessantíssimo, mas com um olhar muito curioso, muito perspicaz, um olhar incisivo sobre aquele mundo. 
Daniel - Sim. Reconheço que o olhar é de facto de quem conhece bem a realidade, de quem viveu na Maia muitos anos. Poucos anos vivi fora da Maia. Dez mais ou menos, no total. 
Onésimo - Não sei como isso foi possível. Foi em Santa Maria? 
Daniel - Sim. Mas muitas histórias que inventei, depois vim a co-nhecer histórias reais semelhantes às que tinha inventado. Isso nasce do grande conhecimento das pessoas. Histórias que, sem eu saber, tinham acontecido. 
Onésimo - Há uma história do livro Sobre a Verdade das Coisas que eu já contei tanta vez! Tanta vez! E digo sempre que é de um livrinho precioso do Daniel de Sá. Daniel conta essa história. 
Daniel - É a do romeiro? 
Onésimo - Sim, conta lá. 
Daniel - É uma história rigorosamente autêntica. Era um rapaz amigo, um homem que ia sempre de romeiro. Tinha uma amizade nas Furnas. Uma amizade no feminine. O marido dessa amizade tomava conta de matas. Naquele tempo roubava-se muita lenha nas matas. 
Ela foi buscá-lo para ir para casa dela. Ele disse: Ó mulher não, que estou de romeiro. Claro, o homem não resistiu, foi mesmo. Não resistiu a ir. Nem resistiu ao que se supõe. 
No outro dia, foi-se confessar ao Padre Afonso Quental, o velho que conheceste, com certeza, tio do teu prefeito [no Seminário], Afonso de Quental, nosso comum amigo. 

CONTINUA

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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