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sábado, 8 de dezembro de 2018

Da Califórnia de Luciano Cardoso


MAU PROCEDER

2018 está aí para as curvas. Algumas prometem permanecer apertadas e escorregadias, derrapantes. Há cada vez mais gente grada a temê-las sob brasas. Vai ser outro ano escaldante. O anterior acabou a ferver em porca polémica, política e não só, ardendo pessoas à balda e queimando reputações à toa. 
A conceituada revista Time costuma fazer furor em cada dezembro que passa com a já famosa escolha na capa da sua simbólica Figura do Ano. Figurões não faltaram no ano transato a merecerem tão distinta honra individual. A surpresa, no entanto, acabou por acertar em cheio numa causa coletiva de impacto inegável. Focando a coragem das vítimas de assédio sexual vindas a público em tempos recentes, várias figuras femeninas de nomeada deram a cara ao manifesto com o intuito de que mais abusos e abusadores sejam detidos e desmascarados. 
Na sociedade dos nossos dias, infelizmente, um pouco por todo o lado, abundam as máscaras de vária ordem que nos desiludem a torto e a direito. Sobretudo em posições de destaque público, quando certas figuras de proa não correspondem lá por dentro ao que parecem cá por fora, nada se torna mais repugnante aos nossos olhos que a hipocrisia de nos tentarem burlar pretendendo passarem por quem não são. Não sou fã de farsas cínicas na vida a sério. Talvez porque as fingi a brincar em palco quando era novo, agora percebo melhor o amadurecer da idade quando me aconselha a manter-me sujeito duma cara só ante quem enganosamente prefere disfarçar-se sob duas ou mais, a ver se calha. 
Calhou-nos, há um ano, Trump na Casa Branca. E a coisa tornou-se preta. Para muita boa gente desta rica terra de sonho, o pesadelo foi imediato ao verem-no instalar-se à frente dos destinos americanos com toda aquela sua borrada bagagem pessoal que ainda irrita meio mundo. Calhou-lhe convencer milhões de abéculas nas urnas a desculparem-lhe sujas suspeitas e sérias acusações que trazia de mulheres furiosíssimas com o seu desrespeitoso caráter de bruto bully sem escrúpulos nem satisfações a dar seja a quem for. Há quem adore um líder assim. Como também há quem o deteste dos pés à cabeça loira e meia louca. Oca, certamente, quando abre a boca ao desbarato batendo com a língua nos dentes sem dizer coisa de jeito. Claro que não tem dom de palavra. Podia, no entanto, e devia ao menos ter um pouco mais de respeito por quem o escuta como chefe da mais potente nação à superfície globo. Foi bastante contestada a sua eleição mas a sua impopularidade continua a não sofrer contestação, sobretudo adentro do setor femenino nauseado com o seu condenável comportamento de rude macho sem remorsos aparentes. 
As aparências iludem, e de que maneira. Ao menos Trump é aquilo que já se sabe. Os seus fracos estão à vista. Rotula-se de génio ao mesmo tempo que o rotulam de anedota. Por isso, a sua trampa não engana. Está a fazer o que prometeu a quem o elegeu. O problema, na larga arena política bem como nas demais esferas da vida que nos rodeia, são as surpresas de mau gosto a fazerem-nos desconfiar cada vez mais e mais. Cada vez parece haver menos gente fiável à nossa volta. Dói dizê-lo mas não há volta a dar. Os tempos mudaram bastante as vontades e os valores de agora pouco já lembram aqueles que nos moldaram filhos doutra fibra noutras eras em que o respeito tinha mais do que uma palavra a dizer. 
Para muita gentinha do hoje em dia, respeitinho é palavrinha gasta que muito pouco lhes diz. Vê-se isso do fundo ao topo da escala social. Cá por baixo ainda se tolera mas lá em cima não. Os escândalos rebentaram forte e feiamente no seio da política americana com a nossa Califórnia a sobressair pela negativa nessa indesejável lista de vergonhosos exemplos por parte de alguns legisladores apanhados em flagrante delito. Excuso citar aqui quaisquer nomes porque eles já foram publicamente identificados, levando mesmo alguns a abdicarem dos seus cargos eleitos para nos servirem em Sacramento. Lindo serviço, sem dúvida, tem prestado esses marmelos a quem neles depositou toda a confiança do seu voto. 
Da Casa Branca, ao Senado, no Congresso e pelos vários estados de leste a oeste, sem esquecer a feia escandaleira de Hollywood, os casos multiplicam-se e prometem continuar a dar brado. Para acumular nojo à vergonha de tudo isto, o já famoso movimento femenino, #Me Too, acaba de revelar provas dos líderes políticos estaduais manipulando manhosamente as suas privadas regras protetivas para desencorajarem mais vítimas de virem a público com os seus legítimos protestos contra toda essa maralha a precisar duma boa limpeza geral. 
Muitíssimos milhares de mulheres por toda esta prodigiosa nação estão finalmente a ganhar coragem e a levantar a voz contra este deplorável tipo de conduta sem lugar no convívio de gente decente e civilizada. Trump não pode nem deve continuar a ser o único bode expiatório nem distração fácil para que se ataque pela raíz esta doentia mentalidade machista em que também fomos criados no outro lado do Atlântico e que não vai desaparecer dum momento para o outro. Cá e lá, excelentíssimos e digníssimos senhores da alta roda, bem postos e muito bem vistos, com suas carinha sonsas, jeitinhos meigos e palavrinhas mansas, continuam a ludibriar tudo e todos... até um dia. 
Oxalá esse dia chegue no decorrer deste ano novo que promete continuar a ser de luta feroz contra essa velha vergonheira dos ídolos com pés de barro a cuspirem-nos areia nos olhos fartos de verem tanto que prefeririam não ver. Tá mais do que visto que não podemos nem devemos continuar a fazer vista grossa a todo este mau proceder de quem bem nos tenta enganar.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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