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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Do poeta-escritor-jornalista LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO


DISTÂNCIA

Shakespeare descobriu um jeito de escrever sobre política sem se envolver em política. O jeito: escrever sobre política no passado, numa Inglaterra remota no tempo, ou em outras terras, algumas até inventadas por ele. Não lhe faltaria assunto se escrevesse sobre a Inglaterra do seu tempo, um século de intrigas e conspirações, com personagens suficientes para encher vários fólios. A começar por Elizabeth, a Rainha Virgem, que reinou sobre um império dividido e sobreviveu a críticas e atentados partindo do Vaticano e da minoria católica, do império espanhol e de descontentes da sua própria corte – movimentos que, invariavelmente, acabavam com alguém sendo enforcado ou decapitado. Shakespeare cuidou em manter pelo menos um século de distância da sua época, na sua obra.
Em primeiro lugar por uma questão de sobrevivência: era proibido criticar a rainha ou outros no poder. Qualquer insinuação sobre a rainha ou sua vida particular, lá ia outra cabeça. Em segundo lugar porque, escrevendo sobre outros séculos, Shakespeare tinha, para escolher, heróis e vilões de todos os tempos, da Roma clássica à Escócia pré-histórica, de reis loucos a rainhas assassinas. Quem quisesse ler entre as linhas escritas por ele alguma alusão à atualidade elisabetana que lesse. Metáforas nunca mataram ninguém.
Quem se obriga a comentar a realidade política no Brasil só pode invejar o jeito de Shakespeare desprezar a atualidade, escolher os personagens que lhe interessavam e colocá-los onde queria. Egito, Ilíria, Sicília, a ilha não identificada em que Próspero ensina Caliban a praguejar, a romântica Verona... Não o Brasil. Não esses personagens. Não essa realidade. O problema é que começam a rarear os lugares que se salvam da mediocridade crescente no mundo. Era costume citar os países escandinavos como exemplo de sociedades racionais. Nas recentes eleições na Suecia - na Suecia, que já foi chamada de seuperpotencia moral! - a extrema direita teve quase tantos votos quanto os sociais democratas, que nunca tiveram tão poucos. Wiliam, Wiliam, fugir pra onde?
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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