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sábado, 8 de dezembro de 2018

Homenagem a um expoente da literatura, Onésimo Teotónio Almeida


Continuação 

Diz que, em Portugal, temos um "feitio maníaco-depressivo". Que oscilamos entre estes estados de espírito. Em que fase estamos?

Neste momento, estamos numa fase com um duplo registo. Noto isso nos meses depois de Pedrógão Grande. Antes estávamos num registo de autêntica euforia, com o Governo de António Costa. A situação melhorou em áreas importantes, como a dívida nacional, a vinda dos turistas para Portugal, por exemplo. Agora há uma espécie de dissonância, como na música moderna. Por um lado, é a euforia, por outro lado, os incêndios, o lado pessimista português a reemergir. Se calhar, esta dissonância é que é o registo correcto porque as duas vertentes coexistem sempre.

Portugal também está "na berra" nos Estados Unidos?

Estou há 45 anos nos Estados Unidos e nunca vi Portugal tantas vezes referido, nem tão positivamente como hoje. Por todo o lado. Não sou nada de teorias da conspiração, mas chego a pensar assim: quem é que anda por trás a gerir isto? Lembro-me de que, no tempo do Cavaco Silva primeiro-ministro, houve uma bolsa de um milhão de dólares concedidos a um grupo de jovens americanos com a intenção de alterar a imagem de Portugal nos EUA. Pareceu-me um desperdício. Não creio que tenha resultado em algo palpável. Hoje em dia, o que é que está a acontecer? Nos últimos cinco anos, então, é deveras incrível. Lisboa é referida como uma das melhores cidades do mundo, o Porto idem. Ontem, viajei no avião com uma senhora de Chicago que vinha apenas por cinco dias. Dois dias para o Porto e três para Lisboa. Trazia um óptimo guia de Portugal com imensas sugestões práticas. Impecável. Isto era na TAP, que agora voa diariamente de Boston, lotada de estrangeiros. Chegam àquele "hub" levados pela JetBlue e vindos de todos os EUA. Chegados a Lisboa, seguem para a Europa, mas muitos passam uns dias cá, aproveitando o programa "Stop Over." Ouvi passageiros sentados atrás  de mim dizerem que vêm duas vezes por ano e a recomendarem vivamente Portugal a uma senhora que ia seguir sem sair em Lisboa. Isto nunca acontecia.


Na sua universidade, sabendo que é português, já foi abordado sobre o país mais recentemente?

Ninguém fazia caso de Portugal. Quando criámos o Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, ninguém sabia nada sobre o nosso país, nem queria saber. A Europa era a Inglaterra, a França, a Itália, quanto muito Espanha. Portugal, nada. Agora não. Hoje há gente na minha universidade que tem casa nos Açores.

Sem qualquer ligação a Portugal? Não são descendentes de portugueses?

Não. Não têm ligação. E outros têm casa aqui [no continente]. E com facilidade dizem: vou a Portugal. Isto é recente, é novo. Tenho viajado nos aviões com estes americanos que vêm cá e regressam com uma belíssima impressão. Nada desiludidos, pelo contrário, muito entusiasmados. Gostaram tanto que querem voltar. Eu, durante muitos anos, disse: Portugal tem tanta coisa boa que os portugueses, como têm um lado pessimista, não vêem. É preciso estar de fora para perceber as coisas boas de Portugal, que são tantas e de graça! Desde o clima, o acesso às praias, a grande diversidade paisagística, a beleza dos centros históricos das cidades e das vilas da província. Sempre achei que Portugal tinha uma enorme riqueza a oferecer, mas eu era suspeito por ser português. Agora são os estrangeiros a verificar essa riqueza com base na sua própria experiência.

Toda esta fama que temos agora pode ser uma bolha?

Só posso falar do presente, mas receio que os preços continuem a aumentar e, então, o factor preço, que era um atractivo importante (além de tudo o mais), passe a deixar de ser acessível. Ontem viajei num táxi cujo motorista ficou desiludido quando soube que eu era português. Disse-me descaradamente que, se eu fosse estrangeiro, iria aproveitar-se. Estas coisas marcam. E pensa o mesmo quem está a arrendar casas. Há esse perigo. É tradição portuguesa não se pensar "à la longue", mas no imediato. "Isto está a dar é agora, depois a gente não sabe." Isso pode ser fatal se não houver controlo, se as situações não forem denunciadas e corrigidas.
Na América, sempre houve uma grande tradição de liberdade. Não há filtros. Ouve-se e diz-se tudo.  

Ganhou alunos nos seus cursos por causa desta boa fama que Portugal está a ter?

Não. O ensino do português subiu muito, em termos proporcionais, porém não em termos absolutos. Era uma das línguas que estava a crescer mais, por causa do Brasil. Com os Jogos Olímpicos e o Campeonato do Mundo de Futebol, houve um interesse muito grande. No entanto, o Brasil hoje está outra vez na "fossa" e o decréscimo da motivação foi grande. O ensino do português estava em incremento também por causa de África. Nas universidades americanas mais liberais, os jovens querem ter intervenção sociopolítica e pensam que isso lá será mais fácil, onde há tanto a fazer. Existe de facto um fascínio por África. Querem ajudar de algum modo esse continente tão vítima de colonialismo e, pior, da escravatura. Há uma grande preocupação com os efeitos do colonialismo. Não se olha para as loucuras bizarras de alguns ditadores africanos actuais. Tudo isso é considerado resultado tardio do passado colonial. Por isso, pensando nas oportunidades de emprego, vários dos alunos da pós-graduação escolhem fazer teses sobre África e não sobre Portugal. Portugal é um país velhinho, bom para se visitar, mas não necessariamente atractivo para investigação. Além de ser um país ideal para férias, é também um bom país para uma eventual aposentação.

Falando em aposentação. Fez agora 71 anos. Mas não gosta de falar sobre o tema.

Posso falar, mas para dizer que ainda não penso em aposentar-me. Costumo dizer que, se fosse para um café conversar com alguém sobre os temas que me apaixonam, ao fim de cinco minutos estaria tudo a dormir. Ir para uma aula e sentar-me à roda de uma mesa com seis ou oito alunos durante três horas é uma experiência extraordinária. Não saio cansado; saio exultante! Porque foi uma conversa dinâmica, viva. Muitas vezes saio a pensar: hoje vejo melhor as coisas do que via antes. Ora, se me aposentar, vou perder esse privilégio. Reconheço, contudo, que não posso esticar demasiado a corda porque o tempo é implacável. Não sei por quanto mais. Julgo que tenho sabido saborear a vida doseando o trabalho com o lazer. Não estou à espera da aposentação para gozar a vida. Sigo trabalhando, mas também vou intercalando bons momentos com a família, com os amigos e com a natureza, de que também sou grande fã. Nunca me canso de visitar lugares de que gosto. E nunca fico à espera do tempo ideal. Por isso mesmo, não tenho qualquer ânsia pela aposentação. 

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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