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quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

ONÉSIMO TEÓTINIO ALMEIDA


CONTINUAÇÃO

Quando é que ousou perguntar?
Já no seminário. Tenho uma colecção enorme de sebentas. Tomava nota das histórias das aulas, das provocações aos professores. Com datas e tudo.

Porquê esse rigor memorialístico?
Não sei. Às vezes com desenhos, caricaturas. Ainda hoje faço isso.

                                                  
 Nunca foi acanhado?
Fui, em criança. Era muito bem comportado e ouvia as pessoas ao meu redor dizerem isso. Foi no seminário que desabrochei. Passei a agir como me sentia. É ainda como sou hoje. É curioso que as pessoas que só me conhecem desde a minha ida para os EUA me acham de hábitos americanos, mas quem me conhece dos meus anos juvenis repete com frequência: “Nunca melhorou. Foi sempre assim”.

Como é que se chama o seu irmão? Pergunto-me se terá um nome invulgar. Como o seu.
José Urbano. Tenho uma irmã Lídia, uma irmã Suzete. O meu pai era Manuel, o meu avô era Manuel. O meu pai foi buscar Onésimo porque não quis Manuel e foi pedir ao pároco da aldeia uma lista de nomes. Onésimo era o mais arrevesado. Teotónio é o nome do meu padrinho.

Ninguém esquece, Onésimo.
Não é bem assim. Há muita gente que não atina com o nome e acha-o esquisito. Confundem com Nemésio, que é mais próximo do léxico português. Os americanos fixam-no mais facilmente. Uma questão de hábito pois decoram logo os nomes das pessoas. Vi isso nos meus filhos. Chegados da escola a casa, nunca diziam “um menino”, ou “uma menina”... isto e aquilo. Era sempre “o Mike”, “a Joanne”.

Em que sentido é que se americanizou?
Na América senti-me sempre à vontade e não me foi exigido que mudasse a minha maneira de ser. Não tive de adquirir tiques que noto em Portugal nas pessoas que ascenderam na escala político-social e que reproduzem maneirismos de autocontrolo, se calhar só visíveis para quem observa de fora. Na América, para além das regras básicas de trato, ninguém impõe formas rígidas de comportamento. Dá um grande sentido de liberdade individual que, nas universidades, resulta magnificamente, facilita um espírito de diálogo e respeito mútuo.

Em Portugal, frequentemente, a discordância é vista como um ataque pessoal.
Sim. É uma das razões porque faço questão de, em todos os debates em que me envolvo, me circunscrever às ideias. Vou reunir várias polémicas num volume intitulado Despenteando Parágrafos onde sigo essa regra à risca.

Disse várias vezes, de várias maneiras, que diz o que pensa. Já pensou alguma coisa durante esta entrevista que não disse?
Não. Limito-me a responder ao que me pergunta. Tem outras?

Porque é que é tão torrencial?
Não sei. Sou muito açoriano, vulcânico. Mas depois fico sereno como uma lagoa, quando acabo.

Tem algum vulcão de que goste muito?
Gosto mais de ver as lagoas do que os vulcões. Às vezes expludo, perco as estribeiras. É feio. Quando se chega aí, perde-se a razão, por mais razão que se tenha.

O que é que o faz vir por fora (para manter a metáfora do vulcão)?
Acho que o fechamento das pessoas ao óbvio, ao não reconhecimento de evidências empíricas e argumentos lógicos, se bem que na vida haja muito que ultrapasse esses domínios. Estou sempre disposto a manter uma conversação animada ou a falar a qualquer público. A minha regra é parar imediatamente se vejo pessoas dormir. Um professor americano pediu a um aluno: “Importa-se de acordar a sua colega?”. O aluno respondeu: “Eu? Acorde-a o senhor, que foi quem a pôs a dormir” [risos]. O professor, no fim da aula, viu-os passar de mão dada. Afinal eram namorados. Disse-lhe: “Com que então, a sua bela adormecida...”.

Disse que gosta de memórias e autobiografias. Uma autobiografia sua em meia dúzia de linhas, pode fazer? À luz deste que é hoje, que tem 67 anos, o que é que é essencial?
Sou dos Açores. Não é essencial, é existencial. Gosto muito de ser de onde sou. Os Açores são um universo imenso e vivi ali 20 anos da minha vida e regresso todos os Verões. A nossa infância e adolescência são fundamentais no processo de ver o mundo. Com 20 anos, quando vim para Lisboa, já sabia o que é que queria da vida.

Ainda não percebi o que é que quer da vida.
Quero prolongá-la eternamente [risos]. Sei que não tem solução, mas é uma vaga esperança que nos sustém.

O que é que queria da vida aos 20?
Tinha a minha personalidade basicamente formada. Não sabia exactamente o que iria ser, mas hoje reconheço que não me distanciei muito do que me entusiasmava. Escrevi um livro sobre meios de comunicação social, publicado nos Açores em 1970, onde estão expressas muitas das questões que ainda me ocupam. Claro que com a ida para os EUA aos 25 anos deu-se uma grande viragem. Mas não na minha maneira de ser profunda, apenas no modo de encarar o mundo.

Isso é porque os seus afectos são em língua portuguesa? Porque a sua formação foi cá?
Não por causa da língua, mas da cultura. Dou uma cadeira e escrevi já bastante sobre isso da formação dos nossos gostos. Porque é que, para a maioria dos portugueses, o bacalhau é melhor do que a comida chinesa? Cresci aqui. Não emigrei, alarguei fronteiras. Estou na América e sinto-me em casa. Mas fundamentalmente sou português, dos Açores.

CONTINUA
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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