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sexta-feira, 1 de março de 2019

De João Bendito na Califórnia


A BRINCAR COM BONECAS

Isto hoje não está a sair bem!

O computador, já velhinho e a precisar de reforma, não quer colaborar. A culpa não é dele, a culpa nunca é dos computadores, eles nunca se enganam. Nós, os humanos utilizadores, é que lhe fornecemos os dados, portanto eles limitam-se a fazer as operações ou trazem ao ecrã aquilo que teclamos. Aquela “bola de praia” que me aparece diante dos olhos serve para me avisar que a máquina deve estar adoentada, com um vírus. E não é para menos, como não tenho ligação televisiva que me permita ver os jogos de futebol do Benfica, experimento vê-los no computador e depois dá nisto. O que salvou a situação hoje foi que o Benfica, embora não ganhasse o jogo, conseguiu passar à ronda seguinte da competição europeia em que está ainda envolvido, para tristeza dos “Lagartixas”, que ficaram pelo caminho. Devo esclarecer que não sou benfiquista ferrenho mas já que eles equipam com as mesmas cores do meu Glorioso Sport Club Angrense, eu então gosto mais deles do que dos outros.
Vamos a ver se o computador se aguenta até eu chegar ao fim desta crónica. E vamos a ver se consigo terminar isto antes que passe o prazo estabelecido pelo Sr. Diretor do jornal, que é já amanhã. Não gosto de escrever as minhas pobres participações muito em cima da hora, tento alinhava-las com antecedência, de forma que possa ter tempo para corrigir os “erus de hotugarfia” ou limpar as asneiras. Para mais, para além do contratempo que já mencionei, hoje ainda tenho um outro compromisso que me vai ocupar umas boas horas: as minhas duas netas vão vir passar a noite e o dia de amanhã cá em casa. Já estou a ver o reboliço que vai ser...

São boas meninas, as minhas netas. Pudera, saem à avó. A Mia Isabel, quase à beira dos sete anos, é muito calma e atinada; a prima, Olívia, com quatro anos, é mais arrebitada mas também muito meiga e espertalhona. Dão-se bem, as duas. Inventam brincadeiras de forma que passam horas juntas que quase ninguém dá por elas. Outro dia surpreendi-as sentadas cada uma dentro de um cabaz de plástico dos que a avó usa para a roupa suja. Entretive-me, meio escondido, a seguir as peripécias que elas representavam, como se fossem piratas dentro de caravelas à procura de tesouros! Parece brincadeira mais apropriada para rapazes mas elas levavam aquilo muito a sério, imitavam com os braços os movimentos de remar (deviam ser barcos pequenos...) e simulavam, com as mãos meio fechadas, como se estivessem a segurar binóculos, a vasculharem um horizonte imaginário.


Estão elas agora na fase de andarem à procura de tesouros. Imagino que devem ter visto algum vídeo que as terá influenciado. A Olívia até quer que eu a leve ao sótão da casa, pensa que tenho lá caixas cheias de relíquias, de brinquedos especiais, “colares coloridos e tiaras com pérolas”, diz ela. Vou-me inquietar para descalçar esta bota, tenho alguma tralha lá em cima mas nada que se pareça com o que ela está a imaginar. E, se as mães delas (minhas filhas) soubessem que eu as tinha levado ao sótão, davam-me uma descompostura que me punha os ouvidos a chiar durante três dias!
Admira-me a capacidade de imaginação das crianças de hoje, rodeadas como estão de tantas facilidades. Será mesmo este o ponto mais comum com as crianças que nós fomos. Não tínhamos televisão, nem jogos electrónicos, muito menos computadores (com ou sem vírus, como o meu) ou tablets. Mas tínhamos muita imaginação, inventávamos brincadeiras com facilidade. Na nossa casa, fazíamos praças de toiros com pedras de dominó, usando “bravos” grilos que apanhávamos, à noitinha, junto à porta da ermida do Seminário e, zelosamente, guardados em caixas de fósforos, das grandes. Ainda me lembro bem dos carrinhos de bois feitos com socos de milho ou dos mais sofisticados, comprados aos reclusos da cadeia da Rua Nova. Uma peripécia que recordo foi o dia em que, com os meus irmãos, construímos uma grande frota de barcos de papel feitos com páginas do Diário Insular (quando o D.I. ainda tinha páginas grandes...) e, quando regressámos da escola, vimos a nossa armada toda picada aos bocadinhos, dentro de uma panela. “Fizemos sopa para as bonecas”, explicaram as nossas irmãs. Bem bom que os grilos para as touradas estavam escondidos, senão talvez teriam sido transformados em salada de lagosta.


Ao fim e ao cabo correu bem a mini estadia das nossas netas. Não houve problemas nem birras à hora das refeições ou na altura de irem para a cama. Ontem e hoje brincámos com Barbies e outras bonecas, fomos dar uma volta ao trilo da ribeira, elas de bicicleta e triciclo e eu a pé, jogámos com um frisbee que foi parrar ao quintal do vizinho, fizemos  puzzles quebra-cabeças e vimos vídeos com as estórias de rainhas e fadas, da Rapunzel, da Elsa e da Elena de Avalor. Todas as vezes que eu me engano no nome de uma dessas princesas, vejo logo dois pares de pequenos olhos revirados na minha direção.
Agora, que elas já regressaram às suas casas, fico triste ao recordar que nunca brinquei assim com os meus avós. Na Terceira, embora tenha lembranças de ir com o meu avô «Bailhão» até aos serrados das Mónicas, não houve oportunidade para brincadeiras, até porque ele faleceu eu ainda nem tinha seis anos. E os avós da Graciosa, os «Ratos», esses só os encontrava nas três ou quatro semanas de férias de verão, de forma que, para além dos afazeres normais da vida diária, os tempos dedicados a alguma folia eram poucos ou nenhuns. Contudo, num futuro próximo, vou contar-vos estórias e outras coisas que aprendi com eles e que estão colecionadas nas páginas do livro «Barro Vermelho – Ilha Branca», que espero esteja disponível este verão.
Afinal o desabafo com que comecei esta crónica não se materializou, consegui acabar o escrito a tempo de satisfazer o “deadline” do Sr. Diretor e o computador portou-se bem, permitiu-me registar, sem grandes sobressaltos, estas horas bem passadas com as minhas netas.

Quem é que não se importa de brincar com duas bonecas como estas!
Lincoln, Ca. Fev. 22, 2019
João Bendito
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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