SONHO DE CANTADOR!
Há muitos anos, na minha freguesia, havia um senhor chamado José de Lima, mais conhecido por tio José de Lima. Era uma figura esbelta, de nariz pontiagudo, olhar vivo e alegre, sempre bem disposto, embora, aparentemente a sua vida revelasse o contrário.
O tio José de Lima era natural da Ilha de São Miguel. Nunca lhe conhecera família. Era solteiro e vivia num barracão, espécie de um compartimento dividido por duas divisórias, num anexo à casa onde vivia o Sr. Professor João. Portanto, aquele espaço onde sempre fez a sua morada, fora-lhe gentilmente cedido para que não andasse ao relento.
Ora, o tio José de Lima, servia de pau para toda a obra. Estava sempre disponível para qualquer trabalho que lhe aparecesse, quer fosse desempenhar tarefas domésticas, o caso da matança do porco, quer fosse na lavoura, ou porventura, algum quintal que necessitasse plantar ou semear algumas novidades.
Nem sempre era ele que ia trabalhar para as casas do senhorio. Por vezes, alguns homens para quem ele trabalhava, também iam ajudá-lo, sobretudo nas terras que ele tinha ao seu cuidado e que por vezes, não conseguia dar resposta sozinho.
Sei que o meu pai, muito o ajudou, em troca de dias que ele vinha trabalhar a nossa casa, ou pagando-lhe o dia em dinheiro.
Lembro-me de que o tio José de Lima, era convencido de que tinha alguns dotes culinários. No entanto, não correspondia à verdade, pois o meu pai uma vez que se viu obrigado a comer carne guisada por ele, lá no seu casebre, viu-se grego. Nesse dia, estava o meu pai e um outro senhor. A salvação foi que havia farelo de serradura espalhado pelo chão e serviu como uma espécie de balde, onde se deitava as lavagens para os porcos. Cada vez que o tio José de Lima virava as costas, lá eles despejavam os pratos no farelo, levando este a pensar que a comida estava-lhes a saber bem. E como era uma pessoa franca, logo oferecia mais, ao que eles ripostavam que não tinham apetite.
Além de se julgar bom cozinheiro, também tinha a convicção que sabia cantar cantoria. E assim, certo dia, contou ao meu pai a sua exibição de cantador perante o Charrua, dizendo a seguinte cantiga.
- Sou filho da Luz
- Sou filho da Graça
- Sou filho de Jesus
-Sou filho de meu Pai.
Perante esta cantiga, o Charrua ter-lhe-á respondido que não tinha resposta.
Para o tio José de Lima, teria sido uma grande cantiga, ao qual o Charrua não soubera responder-lhe. E então dizia ele ao meu pai.
- Ele disse "meme" . Essa não tem resposta! Estás a ouvir Noé? Grande cantiga esta!
O meu pai penou para se conter de riso, pois o tio José de Lima, não merecia ser escarnecido por ninguém, ainda mais por ser um homem muito respeitador e educado.
E assim viveu a sua vida feliz e convicto que teria embaraçado tão digno cantador, através da sua cantiga sem resposta.
27-03-2019
Graziela Veiga

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