As famílias do PS
O Governo do PS está cheio de familiares, desde ministros até assessores e adjuntos.
A questão tem agitado a comunicação social e suscitado reacções da parte de todos os partidos. Até Marcelo se pronunciou, chamando Cavaco à liça.
Foi o Bloco a dizer que assim é demais. Veio o CDS acrescentar que o organograma do governo parece uma árvore genealógica. O PSD grita que vivemos numa República, que não numa monarquia. O PCP acha mal mas interessa-lhe mais as políticas. O PS vem defender-se a dizer que o desejo de servir a causa pública é uma vocação, sendo natural que a mesma se estenda a vários membros de uma família. Marcelo diz que foi Cavaco a dar posse ao Governo, não deixando claro se teria feito o mesmo se já fosse ele o Presidente da República ao tempo. Cavaco defende-se, gaguejando que no seu governo não havia familiares, nem no seu nem em nenhum outro de Estados democráticos desenvolvidos. E andamos nisto...
Creio que estas coisas acontecem porque, enquanto povo, não estamos ainda preparados para a democracia, 45 anos depois do 25 de Abril. Se não estamos hoje, pior estávamos logo após a Revolução dos Cravos. E a melhor prova de tal é o modo como deputados e governantes encaram o poder e seu exercício.
Os políticos, logo a partir de 1974, trataram de decidir sobre os seus próprios privilégios. Ordenados chorudos, ajudas de custo, viaturas caríssimas, despesas de alojamento e deslocação pagas, subvenções vitalícias, subsídios de reintegração na vida activa, etc. Pois se até no restaurante da Assembleia da República comem melhor do que comeriam em qualquer restaurante de luxo, pagando bem menos do que pagariam na mais humilde tasca?
Num País pobre como o nosso, em que a maioria ganha pouco e paga muitos impostos, obviamente que uma carreira política se torna tremendamente atractiva. Sobretudo para quem não gosta de trabalhar mas adora viver bem. E se é bom para o pai, também será bom para o filho, quem não gosta de ver bem na vida os do seu sangue? Daí a passar-se para esposas, irmãos, sobrinhos, netos, cunhados, é um pequeno passo...
Se ninguém os trava, vai sempre para pior. Há dias, o regime do pagamento das passagens aéreas foi regulamentado pela Assembleia. Resumindo, passou a ser como sempre devia ter sido. Mas enquanto foi um abuso, quantos milhares de euros foram embolsados por quem não tinha direito a tal dinheiro? Recebendo mesmo sem viajar? Sem a mínima fiscalização? E, já agora, se o Expresso não tivesse investigado e tornado público o esquema, durante quantos anos mais continuariam os políticos a mamar, sem que ninguém os importunasse?
Eles são assim, os políticos que nos representam. A nós, resta-nos votar de quatro em quatro anos. Pouco tem isto de democracia, em que a soberania reside no povo, que a exerce através de eleitos. Eleitos que tanta vez atentam contra os direitos de quem os elegeu e os ofendem, rodeando-se de mordomias ao alcance de poucos. E ainda falam em ética republicana. Sem entenderem os que mamam à nossa custa que muitas monarquias acabaram porque os povos a elas sujeitos já não conseguiam suportar que os reis se rodeassem de luxo enquanto a plebe passava fome...
É tremenda a desfaçatez destes "reis". Tanta que o PS mandou em primeiro lugar para a sua defesa Carlos César. Um indivíduo que sempre viveu à custa da política e que à custa da política foi empregando membros da sua família - mulher, filho, irmão, cunhada, sobrinha...
Não imporia a sensatez que, numa matéria desta natureza, o PS tivesse escolhido para sua defesa alguém sem tantos rabos presos? Ainda por cima numa matéria tão sensível junto da opinião pública? Ainda mais em ano de eleições?
Mas o PS não o fez. Perderam completamente a vergonha. Acham natural e até desejável estes laços familiares a mandarem na gente. São os donos disto tudo. E ainda por cima vem César proclamar, com aquele sorriso de gozo, que se trata de uma "vocação" para servir a causa pública e que é normal que contagie todos os membros da família. Se fosse uma vocação religiosa, teríamos César e a família toda fechados em conventos, a rezar de manhã à noite... Sendo uma vocação política, espalham-se por Assembleias, por palácios, por gabinetes ministeriais, discursando, assessorando, adjuntando, mandando... Prática que merece prémio - pois não vai ser César Presidente da Assembleia da República? Há-de chegar para os netos...
Pois que seja. Aceitemo-los como eles desejam. Vamos cloná-los. São eles e suas famílias os melhores e mais competentes, seria um desperdício perderem-se tão promissores genes. Clonemo-los e asseguremos o nosso futuro colectivo por muitas mais décadas de democracia. Entreguemos à família socialista o nosso destino como povo. Livremo-nos da direita e de geringonças incómodas. O poder absoluto concentrado num só homem é perigoso. Mas entregue a uma família já nem tanto. Veja-se, a título de exemplo, o sucesso de algumas famílias sicilianas...
Se a ética não permitir a clonagem para além de ovelhas, congelemo-los, se ficarem gravemente doentes. Com a certeza de que, quando a medicina descobrir cura para as suas maleitas, mal forem descongelados rapidamente se adaptarão ao tempo em que ressuscitarem, prontos para voltarem à política, sem a qual não conseguem descobrir sentido para a vida. As vocações são muito fortes...
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)

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