A FREGUESIA DO MEU CORAÇÃO
(dedico à minha filha)
A Freguesia de São Jorge das Doze Ribeiras é a mais linda dos Açores, que me desculpem as outras freguesias, pelo menos para mim. Foi lá que eu nasci, que aprendi a amar a minha família e tudo o que me rodeava.
Quem nasce naquela zona Oeste da Ilha, jamais esquecerá o Pôr do Sol, um dos mais lindos que alguém já viu. Temos a oportunidade de avistar as Ilhas de São Jorge e Graciosa. Muitas vezes, em noites claras dava-nos prazer em ver as luzes do Topo, São Jorge. De quando em vez, aparecia o Pico, era certo e sabido, que ao fim de três dias, havia chuva.
As manhãs de Primavera, eram lindas! O chilrear dos pássaros animava com um ar especial, sobretudo, quando pela manhã, ainda estávamos na cama e tínhamos por despertador, aquelas aves, bem como o cantar do galo.
Lembro o ruído dos carros de bois, era tão lindo! Outra beleza, o berrar das vacas, dos bezerros, quando pela manhã, o meu pai os trazia para o curral, a fim de ordenhar, bem como tratar dos filhotes. O grunhido dos porcos no curral. Não tínhamos o desenvolvimento que hoje há, mas tínhamos o coração cheio da beleza que a natureza nos oferece cada dia e, que muitas vezes, falta o tempo para observar e apreciar.
Que movimento tinha a minha freguesia! Mormente, com os caixeiros viajantes, os pregões, que ora vendiam chapéus, vassouras, peneiras, os amoladores de tesouras e facas. Havia também, aqueles que "gatinhavam" os alguidares, que porventura, estivessem com fendas. Ainda, os vendedores de peixe, da freguesia de São Mateus, que pelas 7h00 já pregoavam o chicharro fresco e, era vendido à dúzia. As carroças com galinhas, onde se comprava e trocava galinhas por ovos, ou vice versa e, também por milho. Ainda, os moleiros que vendiam farinha para cozer o pão. O padeiro, que vendia pouco pão, somente às pessoas que não coziam pão em casa, ou compravam a desejo.
As casas eram tão frescas, caiadas de branco, com as janelas de batentes, rasgadas, a fim de que o sol pudesse entrar adentro. As barras que lhes davam uma imensa graça, pois havia cores tão vivas, como o verde, o ocre, o tijolo e o azulão.
Naquele tempo, a freguesia cheirava! Quase todas as pessoas tinham flores nos quintais, formando lindos jardins, aromáticos e românticos , pela beleza que ofereciam aos transeuntes. As estradas e canadas, estavam sempre com pessoas, mormente os rapazes, que não se fartavam de brincar na rua, até que a noite os recolhesse a casa, por decisão própria, ou por imposição dos pais e avós.
Quando chegava a Festa do Bodo, domingo do Pentecostes e domingo da Santíssima Trindade, que alegria! O sábado das esmolas era lindo! Dizíamos assim, porque na altura, nós não tínhamos Filarmónica, então só no segundo sábado do Bodo, é que fazíamos a nossa festa. Vinha a Filarmónica da Serreta. Toda a rapariga, ou adolescente que se prezasse, naquele dia, vestia uma indumentária nova. Depois, decorria o cortejo das esmolas, com muita juventude e animação. Ali, se encontravam pessoas de todas as casas da freguesia.
Nos domingos que seguiam os sábados, havia a coroação, perpetuada pela pessoa a quem o pelouro tinha saído no ano anterior. Algumas pessoas, por promessa, em acção de graças concedidas, ou somente por prazer, faziam a chamada "função", ou seja, almoço com convidados, sopas do Espírito Santo, carne cozida, alcatra e arroz doce. Tudo acompanhado com bom vinho, pães de água e doce, e ainda, massa sovada.
Mais tarde, primeiro Domingo do mês de Agosto, vinha a Festa do Verão, Festa do Sagrado Coração de Jesus. Era a festa mais esperada na freguesia. Todos se empenhavam para que a freguesia estivesse bonita naqueles dias. Caiava-se as casas e ornamentávamo-las com aquilo que tínhamos de melhor. A Procissão era o ponto fulcral da Festa. Era uma manifestação de fé, em que se transportava os andores, ornamentados com as flores mais belas. Os arcos davam um ar de graça, como se do céu se tratasse. As valetas cheias de faias, davam um aroma e beleza especiais. A completar, os tapetes de flores, não tão bonitos como os actuais, mas com o bom gosto de quem os fazia, quase sempre com hortênsias, contribuiam para que tudo ficasse mais belo. Era uma festa muito participada, pois nesse dia havia a Profissão de Fé, tradição do tempo do Sr. Padre Machado. Na segunda-feira, à tarde, havia a Procissão de Santo António, seguida do Bodo das Merendeiras, tão vivido na plenitude. Cada família caprichava de forma que, as suas merendeiras fossem as melhores. Muitas as vezes, após a
Procissão, nós vínhamos pelo caminho a "roer" as cabeças das merendeiras, sabia tão bem!
Chegávamos a casa já jantadas e prontas para ir à Iluminação.
Era tanto o gosto, que nem comíamos com descanso...
Tudo mudou e está diferente. Já ninguém vibra com as Festas da Freguesia. Os jovens têm muitas distrações, não estão à espera das Festas da freguesia, como nós, naquela altura... Mas penso que a alegria sentida naqueles tempos não volta mais. Amadurecemos e, resta-nos apenas, a lembrança e a saudade das Doze Ribeiras, mas como ela foi um dia...
14-01-2013
Graziela Veiga

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