Madrugadas caladas
Na encosta do monte do Crasto a lua ia alta, o inverno chuvoso e frio tinha arrastado lama e pedras.
Na Chão cantavam os galos ao desafio, o dia e a noite abraçavam o pinheiral.
O velho carvalho da casa do TiJoão Raspa, abrigava generoso um casal de mochos pardos, que faziam ouvir as suas melodias.
O pessegueiro pintava - se com flores cor de rosa e na última primavera as rolas fizeram lá o ninho.
Era hora de começar a trabalhar, a noite tinha ficado desperta, à noite o diabo chegou endiabrado e com vontade de matar um pouco mais.
As meninas dormiam tranquilas, alheias à vida e à dor, era hora de pegar na foucinha e no regador, Siguelos ficava longe.
Pelo caminho cruzava-me com carros de bois, carroças e gentes com o caneco do leite para o posto.
Corria monte abaixo, a poça estava cheia, era preciso passar com a água pelo joelho, logo ali as cebolas roxas, os tomates de coração de boi e as alfaces queriam beber.
As acelgas, as pencas, os feijões de caste e os pimentos vermelhos também.
Descalça e com os pés no rego encaminhava a água, enquanto cortava erva e apanhava as couves para fazer o molho.
Ali não andava ninguém, apenas ouvia o canto do ribeiro e dos pássaros, os pardais eram aos bandos.
O sino da igreja ia dando as horas, contei sete badaladas, atei o molho, galinhas, patos, perús e coelhos esperavam o almoço.
Custou-me a carregar tamanho fardo, ligeira e de regador e foucinha em mão subi de volta o caminho de casa, as pedras da calçada conheciam os meus passos e a minha dor, muitas vezes aproveitada o caminho para afogar as dores .
Abria a porta e o silêncio dizia que tudo estava bem, as meninas tinham ficado sózinhas mas ainda dormiam e era hora de as preparar para ir para a escola.
Eram oito horas, o dia tinha começado antes de ser dia, a noite não dormia num tempo sem tempo, onde por vezes caminhei sem rumo desejando o fim do caminho.

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