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segunda-feira, 6 de maio de 2019

Do jornalista Souto Gonçalves - 9 – Dei comigo a pensar… … na ressurreição dos mortos!


9 – Dei comigo a pensar…
… na ressurreição dos mortos!

Começo o artigo desta semana com um pedido de desculpas aos leitores que me têm incentivado a continuar a escrever sobre coisas antigas, relacionadas, nomeadamente, com recordações da minha infância e juventude. Hoje vou desviar-me dessa linha. E talvez não seja mau porque tenho que ir poupando as memórias. Se fosse pródigo, daqui a dias faltava-me assunto. Os meus quase 57 anos de vida são insuficientes -- e não me parece que vá melhorar! -- para interessar por muito tempo quem me lê.

Este desvio também me dá a oportunidade de falar de política. Lembram-se, certamente, que no primeiro artigo escrevi que o meu propósito era abordar temas dessa área, mas que procuraria torná-los atrativos com episódios pitorescos. Acabei por descambar para as minhas historietas.

Fica a promessa que trarei a estas linhas mais alguns… contos. Digo contos de propósito e com a consciência de que «quem conta um conto acrescenta um ponto», pois o que tenho relatado, sendo verdade, por vezes poderá não respeitar fielmente os factos.

Quando nos lembramos de uma coisa e faltam os pormenores a imaginação serve para supri-los. O Senhor Mário Frayão, com quem realizei há uns anos na Antena Nove um programa, de memórias precisamente, disse-me nessa altura, com a graça que o caracteriza: quando a gente está a recordar o passado, sobretudo o mais longínquo, inventa sempre um bocadinho.

Posto isto, vamos, então, à atualidade política.

O Presidente da Comissão Política Regional do PSD-Açores está hoje no Faial para cumprir um programa que inclui ao fim da tarde um encontro com militantes e autarcas eleitos pelo Partido. O tema da reunião é o momento político atual, deduzindo eu que as Eleições para o Parlamento Europeu sejam incontornáveis na discussão.

Se Deus quiser, marcarei presença, como militante e autarca e saúdo Alexandre Gaudêncio por esta segunda aproximação ao Partido real passado apenas meio ano sobre a sua eleição.

O Presidente do PSD-Açores certamente dará explicações sobre a inglória escolha de Mota Amaral para fazer parte, como candidato dos Açores, da lista do PSD nas Eleições para o Parlamento Europeu.

Sem prejuízo de as escutar e discutir deixo aqui publicamente o que penso sobre o assunto, porque a questão extravasa os muros partidários e é exemplo da forma descontextualizada e errada como certas decisões são tomadas hoje no meu Partido, na Região e na Ilha.

No caso vertente não segui o conselho de fazer prognósticos só depois do jogo. Por isso, estou à vontade para manter o que cedo afirmei.

Trabalhei como chefe de gabinete do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores durante cerca de dois anos -- já lá vão quase 20… -- e por essa altura apercebi-me que quem frequenta os meandros da política tende a raciocinar em circuito fechado e a distanciar-se progressivamente da maneira como o cidadão comum vê as coisas.

Ou seja: os políticos convencem-se, nas suas lucubrações, que aquilo que pensam e decidem vai ao encontro das expectativas das pessoas, mas, sem se darem ao trabalho de lhes perguntarem o que querem.

O caso da indicação de Mota Amaral como candidato a candidato nas eleições para o Parlamento Europeu é paradigmático.

Embora sem responsabilidades de direção no meu Partido e depois de ter tentado, em vão, que o debate sobre este caso fosse feito, ouvi militantes do PSD e outros cidadãos relativamente à escolha do candidato. Não encontrei um interlocutor que a aprovasse.

Portanto, esta forma de fazer política, objetivamente de costas voltadas para aqueles a quem, em última análise, o poder deve servir, não leva a lado nenhum e, no caso do PSD -- que é o que me importa nesta ocasião --, não está longe da autofagia.

Se analisarmos, por outro lado, a ideia do serviço em política chegamos a uma curiosa conclusão, baseada em situações que não deixam mentir.

Tomemos, de novo, o caso de Mota Amaral, que, na RTP-Açores pelo menos, fez alarde da sua disponibilidade, dizendo que o foram buscar a casa e que só aceitou a incumbência de uma candidatura para prestar mais um serviço aos açorianos.

Depois de ter sido Presidente do Governo Regional dos Açores, deputado à Assembleia da República, Vice-Presidente e Presidente da mesma Assembleia (sem esquecer que também teve assento na Assembleia Nacional) por que é que esta disponibilidade para servir os açorianos só ocorre na perspetiva da ocupação de mais um alto cargo?

E não é despicienda a particularidade de nunca se ter sujeitado a eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, pois enquanto foi Presidente do Governo Regional sempre se candidatou à Assembleia da República, onde poderia refugiar-se se as coisas corressem mal nos Açores. E foi isso que aconteceu.

O que é que eu quero dizer com isto, referindo as circunstâncias de Mota Amaral, porque eloquentes e atuais, mas com paralelo noutras situações?

Quero dizer que este espírito de serviço só se concretiza quando se trata de confirmar a ascensão nas carreiras políticas. Isto é, para usar uma expressão que todos compreendem: só há disponibilidade quando é para «subir p’ra cima!»

Gostaria muito de ver as grandes figuras da nossa Autonomia, dos nossos Governos, da nossa Assembleia Regional, de volta a casa, dispostas a encabeçarem uma lista para uma Junta de Freguesia...

Seria injusto não reconhecer, porém, que honrosas exceções existem.

Para mim, o gozo das mordomias proporcionadas pelo desempenho de cargos políticos (note-se os sinais exteriores de riqueza que passam pela frente dos nossos olhos aqui mesmo na nossa terra) e muitas vezes a recusa em abandoná-los com espírito de desprendimento é uma vergonha e uma afronta aos cidadãos, particularmente àqueles que aceitam governar uma freguesia e miseravelmente recebem duas ou três centenas de euros.

Outra ideia – para além da do serviço – que é preciso desmontar relaciona-se com a abertura dos partidos à sociedade que, em tempos eleitorais, vem sempre ao de cima.

O caso Mota Amaral continua a ser paradigmático.

Já ouvi dizer e concordo que os partidos têm que ter as suas referências (no PSD do Faial elas resumem-se a muito poucas e estão praticamente afastadas da vida partidária), mas entre isso e os mortos ressuscitarem e os santos caírem dos altares abaixo vai uma enorme diferença.

Portanto, para mim, abrir um partido à sociedade – da qual é parte integrante -- é, sobretudo, dar espaço de participação àqueles que se encontram vinculados ao projeto e que, por assim estarem, aspiram a poder também mostrar o que valem, pôr os seus talentos a render e servir o povo com sentido democrático.
Fechar este círculo para que apenas dominem as cabeças coroadas equivale a uma sentença de morte.

Souto Gonçalves
Publicado no jornal Incentivo, na sexta-feira, 5 de Abril de 2019

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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