Eu, contribuinte inocente, refém do endividamento
Escrevo esta crónica a pensar no buraco de 2 mil milhões de euros que ensombra as nossas contas públicas. Vivemos tempos difíceis, o nosso défice já chegou aos 7,9% e eu próprio não me sinto lá muito bem…
Como se isto não bastasse, os neo-liberais e os neo-conservadores do governo da República dizem que a culpa é dos portugueses que andaram a viver acima das suas possibilidades, sendo esta uma das causas da crise económica e financeira que, qual praga do Egito, se abateu sobre nós.
Pois fiquem sabendo que não estou para carregar mais com este sentimento de culpa.
A dureza da austeridade a que todos nós estamos sujeitos, leva-me a declarar, aqui e agora, que eu, contribuinte inocente, refém do endividamento, nunca vivi acima das minhas possibilidades. Com 30 anos de carreira docente, vivi sempre de acordo com o meu (parco) ordenado, paguei sempre os meus impostos e, não sendo santo nenhum, a verdade é que o meu cadastro está limpo.
Se o país chegou ao estado a que chegou, a culpa não é deste funcionário público que vos escreve. Nada tenho a ver com as falcatruas do BPN nem com os escândalos das Parcerias Público Privadas (dois casos de polícia), nem com os corruptos, os vigaristas e os chico-espertos que lançaram este país no caos. (Depois venham falar-me em disciplina orçamental…). Nunca fiz tráfico de influências e não fui eu que andei a imaginar a construção de uma nova ponte e de um novo aeroporto para a capital. Do TGV nem quero falar porque basta de escândalos. Não foi por minha iniciativa que se cometeram os disparates da construção dos novos estádios de futebol (por quê?) e da compra dos caríssimos submarinos (para quê?)...
Faço aqui uma jura: nada tenho a ver com os erros graves de política económica interna e externa de Portugal. Não é por minha causa que a recessão económica, a pressão dos mercados, a fraude fiscal, o compadrio, a corrupção, o enriquecimento ilícito, o branqueamento, o desemprego, a precariedade, a redução salarial, o agravamento das condições e dos horários de trabalho, os jogos do poder e o endividamento estão a dilacerar e a destroçar o meu país. Sou completamente alheio aos processos Freeport, Furacão, Portucale, Face Oculta, Braga Parques, ou Universidades Independente, Moderna e Lusófona… (Faço saber que a minha licenciatura em Germânicas foi obtida após cinco anos de estopado trabalho e estudo na Faculdade de Letras de Lisboa). Se dependesse de mim, nunca haveria o memorando da troika, nem a perda do poder de compra e do nível de vida.
É óbvio que, tal como milhões de outros portugueses, também andei iludido, durante anos, com as bem-aventuranças da União Europeia e com a prosperidade do euro. Como era doce a minha ignorância... Estava longe de imaginar que Portugal viria a perder a sua soberania e que acabaríamos governados por uma repolhuda mulher germânica…
A crise internacional não explica tudo. Fomos enganados por alguns governantes e outros economistas (nanja o Medina Carreira) que nos sonegaram informação e não nos disseram toda a verdade nem a verdade toda.
Resultado: com um milhão de desempregados, o meu país vive atualmente no limiar da pobreza. E porquê? Porque quem, nos últimos 38 anos nos governou, não soube ou não quis apostar na cultura, na ciência, no conhecimento e na investigação como sectores prioritários. Como é possível, caros leitores, que a cultura não esteja hoje representada no Conselho de Ministros? Mas haverá ainda alguém que duvide que um país será tanto mais rico, quanto mais rica for a sua cultura?
Que diabo! É preciso sair desta maldita crise! Venha a emissão de eurobonds, reforce-se o papel do Banco Central Europeu, renegoceie-se o programa de ajustamento com os nossos credores, aposte-se em políticas de crescimento de emprego! E que haja mais responsabilidade social. E que as normas sejam claras e transparentes para que possam funcionar. Porque o que precisamos não é de mais leis – é de melhores leis.
Portugal, pátria sem destino? O meu país está intervencionado, desacreditado, quase moribundo. A resiliência dos portugueses aguenta tudo. Mas… até quando?
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