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domingo, 23 de junho de 2019

Rolando pelo facebook - De António Leal - NO RESCALDO DAS ELEIÇÕES EUROPEIAS


Crónica do tempo que passa (LIV)

NO RESCALDO DAS ELEIÇÕES EUROPEIAS

Depois de uma campanha eleitoral que mais obscureceu do que esclareceu já se esperava o cataclismo que não podia deixar de acontecer. Os partidos confundiram os eleitores e revelaram uma ignorância crassa arrepiante sobre a União Europeia. Misturaram as cartas do jogo e nalguns países mais parecia uma partida de boxe do que um debate político. Ideias novas foi coisa inexistente. Ficou célebre o combate maniqueísta entre E. Macron do movimento «A França em marcha» e Marine Le Pen da «União Nacional», o primeiro defendendo ideias mais progressistas mas socialmente injustas da globalização, e a segunda mais centrada na vida das classes populares, no mundo rural, nas realidades locais, regionais, nos problemas internos, estes últimos fortemente contestados pela extrema-direita, nacionalista, xenófoba, racista, ao arrepio de uma concepção moderna, democrática e pluralista da Europa e do mundo actual. 

Duas visões antagónicas que deram a vitória a Marine le Pen, que contou com o apoio de 33/º dos «coletes amarelos», o que foi uma boa ajuda. Tal facto que, por duas vezes, já pôs os cabelos em pé aos franceses, agora vem criar uma grave perturbação no xadrez do Parlamento Europeu, porque os dois partidos tradicionalmente mais votados, o PPE (conservadores) com 175 deputados e o PSE (sociais-democratas) com 148 perderam o estatuto de hegemonia, não podendo nenhum dos dois, sozinhos, dirigir o funcionamento do Parlamento de Estrasburgo.

Como se sabe, o Eixo franco-alemão, até agora o motor da U.E., com os actuais resultados obtidos, no dia 26 de Maio, vai sentir dificuldades não só ao nível da Presidência da Comissão Europeia, mas também na condução dos trabalhos do P.E., que nunca esteve tão fragmentado como desta vez. De salientar que a Extrema -Direita tem 115 deputados, vindo à frente dos Centristas e Liberais, com 109. A grande revelação foi a votação dos Ecologistas e Regionalistas, com 77 eleitos. Esta família política vai exercer um papel muito importante neste contexto.

Pelas votações das famílias europeias constata-se que a dita Esquerda está a perder influência de forma preocupante e acelerada. Recordo que em 1987, quando concorri ao P.E, a família socialista era a maior. Nesse tempo havia mais idealismo, e os candidatos não se digladiavam como no tempo presente, nem havia escaramuças por causa da seriação de candidatos nas listas nacionais concorrentes.

Esta fraqueza da Esquerda na Europa e no Mundo (Veja-se o caso dos EUA, do Brasil, da Índia, a maior democracia mundial) é sinal de que algo vai mal no campo democrático. Os eleitores sentem-se ludibriados, traídos pelas práticas seguidas, e depois queixam-se muitos da criação de novos movimentos de cariz revolucionário e fascista, das suas baixas votações, e da vergonhosa taxa de abstenção verificada no Continente e, sobretudo, nos Açores com 81/º de abstencionistas. 

Aqui e em Portugal Continental, houve/há várias causas para isso: confusão deliberada das eleições europeias com as próximas legislativas, bem patente na forma como António Costa se comportou e no golpe palaciano que montou. Também foram culpados os partidos da oposição pela ingenuidade e cedência que assumiram no caso dos professores. O próprio Presidente da República não esteve bem na fotografia, ele que até adora tirar «selfies», esquecendo-se, contudo, que já não é comentador avençado da TV, nem pode falar em excesso, como tem acontecido em assuntos que não são da competência presidencial.
No caso dos Açores, e exceptuando o PSD, os eleitores não tiveram acesso às listas completas dos candidatos das diferentes forças políticas concorrentes, e no caso do PS, só distribuíram a lista do candidato oriundo dos Açores, insinuando ser um candidato que sozinho iria defender o nosso arquipélago, e um folheto das realizações do governo regional que nada tinha a ver com o acto eleitoral para as europeias. Uma pergunta se impõe fazer acerca desta minimização da U.E, e deste encobrimento, que uma e outro mais não visam do que tentar esconder dividendos enormes dos fundos europeus, com cofinanciamentos que atingem 85/º dos investimentos.

Mas isto não convém dizer-se publicamente, e então tenta-se, ardilosamente, mostrar que o que é bom depende só da eficiente e benéfica acção governativa regional. Só que nem todos os eleitores são parvos ou desatentos, e os mais curiosos, mesmo em letra miudinha, conseguem ler os nomes dos organismos da U.E. Ao invés, se acontece algum problema ou surgem atrasos desagradáveis a culpa é sempre de Bruxelas.

Por vezes, até se procura, por puro ilusionismo, fingir que um vergonhoso resultado torna-se uma grande vitória, como ouvimos da boca do Presidente do Governo Regional dos Açores.

«Foi uma grande e saborosa vitória do PS/Açores, uma vitória clara, inequívoca e expressiva do Partido Socialista a nível nacional, tendo sido ainda mais clara, mais inequívoca e mais expressiva ainda a nível regional.».

E noutro passo, Vasco Cordeiro, em contraponto ao que se escreveu acima, confirmado pela campanha feita nos Açores, disse: «Esta vitória deve ser encarada com toda a humildade e sem qualquer leitura eleitoral que não diga respeito às eleições europeias».

Será que com apenas 19/º dos votantes açorianos e com uma perda de mil votos em relação ao último acto eleitoral, é razão para que o PS venha embandeirar em arco. Por este andar, qualquer dia temos uma estrondosa vitória votada somente pelos próprios candidatos, seus familiares e amigos. Assim, entraremos numa monarquia endogâmica, onde todos serão felizes e rejubilarão, usufruindo das grandes e exaltantes maravilhas do paraíso celeste, e escutarão os anjos e arcanjos em seus cânticos triunfais.

Outras razões mais profundas e justificativas dessa chaga devem ser enumeradas: o desrespeito frequente da ética e da moral, que um burro um dia as comeu, e agora substituídas pelo chico-espertismo; os escândalos de ministros e outros altos detentores de cargos públicos que deviam ser servidores e respeitadores exemplares da «res-publica», e não senhores absolutos e transgressores das leis. Alguns deles andam nos tribunais a contas com a justiça (volumosas contas com tantos e tantos milhões desviados do erário público, e outros para lá caminham no decurso dos anos.

A corrupção e a manipulação das leis aprovadas pelos deputados para seu proveito ou de amigos e familiares, tanto no governo central como nos regionais e autarquias, o desprezo e desdém pelas populações com dificuldades de emprego ou de poucos recursos são outros tantos motivos que minam a democracia e contribuem para esta muito revoltante situação de descrédito dos agentes políticos. E de todos os que ainda têm um pingo de vergonha. A.N.L.

Quinzenário Jornal da Praia, nº 546, de 21.06.2010
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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