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terça-feira, 30 de julho de 2019

Do colaborador Dr. António Bulcão - Cabeleiras


Cabeleiras

Lembro-me da primeira vez em que meu pai me comunicou que tínhamos de ir ao barbeiro.

Até ao fim da manhã, cortar o cabelo, depois de comer fazia mal.
Fui desconfiado. Aquele tipo de comunicações sobre a primeira vez em que “tinha de ir” fosse ao que fosse trazia sempre água no bico. “Temos de ir ao dentista, temos de ir às vacinas”. Eram coisas para sentir dor, um dente de leite encravado ou a necessidade de evitar um tuberculose que me rapasse a sujeitarem-me a alicates e agulhas que me devolviam a casa escorrido em lágrimas.

Entrei na barbearia temeroso, com o olho em tudo. Havia duas cadeiras estranhas, muito parecidas com as que tinha visto no dentista, com apoio para a cabeça e tudo. Um dos barbeiros amolava uma navalha numa tira de couro, coisa boa não vinha aí…

Sentado à espera da minha vez, desejei ser como meu avô, que não tinha cabelo. A sua careca reflectia tudo o que se mexesse em redor e, quando se baixava, quase me via na cabeça dele melhor que no espelho do meu quarto. Mas, pelo menos, não tinha de passar por aquela tortura de cortes à escovinha.
Correu bem. O tic tic da tesoura por cima do pente e a navalha só entrou em cena para o recorte final na nuca. Sem dores nem sangues.

O pente do barbeiro pareceu-me mais apertado nos dentes que o que tinha em casa, para fazer a linha e puxar o resto do cabelo até ficar direito. Nada que se parecesse com um pente especial que minha avó tinha para piolhos e lêndeas, que, graças a Deus, só meus primos experimentaram. Naquele tempo os parasitas não queriam nada comigo…

Lembrei-me disto tudo depois de ficar com os olhos presos no cabelo de Boris Johnson, o novo primeiro-ministro de Inglaterra. Ora ali está uma coisa asseada, sem a mínima dúvida.

O homem não deve saber o que é um pente. Imagino a cara do tal barbeiro no Faial, se lhe entrasse pela porta dentro aquela figura esgadelhada, enriçada, mais parecendo um ninheiro de ratos. A trabalheira que não lhe daria só destrinçar tal rede loira…

Mas mais solidariedade me merece a rainha de Inglaterra, coitada da senhora, a ter de investir no cargo mais importante da nação a seguir a ela uma coisa assim, tão fora dos cânones british. Com a sua avançada idade, já muita posse deu certamente, mas desta maneira não lhe deve ter passado pela cabeça ser sequer possível. Ai o que lhe deve ter apetecido dizer “ó Boris, meu filho, vai para casa te pentear e depois volta aqui que a gente conversa”.
Isto de pilosidades estranhas na parte do corpo debaixo da qual supostamente residirá um cérebro não é coisa nova. Sem recuar aos tempos de Genghis Khan, acho que todos estaremos de acordo que os bigodes de Hitler e de Estaline eram tudo menos convencionais.

Será que existe uma relação entre bigodes ou cabeleiras excêntricas e espíritos malignos?

Olhem bem para o cabelo do Kim Jong-un da Coreia do Norte. Aquilo é coisa que se apresente? Rapado dos lados, deixando em cima um tufo que mais parece um ninho de cucos, este rapaz tem de gostar de misseis e outras coisas aterradoras. Parece-me inevitável…

E o Trump? Topem-me só aquela trunfa… É imperioso que haja uma conexão qualquer. Um gajo que se olha ao espelho naqueles trajes, e gosta, não pode gostar de mais nada senão dele. Tem de odiar imigrantes, e congressistas democratas, e jornalistas impertinentes e tudo o que seja normal aos olhos de toda a gente…

Ele quer transformar os EUA no maior País do mundo. Vem agora este Boris esgazeado a querer transformar a Inglaterra no maior País da Europa. Tem de ser por causa do cabelo, ninguém me tira isto da cabeça.

Precisavam os dois, e mais uns quantos que conheço, de terem passado pela barbearia da Rua de Serpa Pinto. Pente zero para cima e saíam de lá direitinhos que nem pregos, sem ideias de grandeza dentro das cabeças rapadas.
Cá por mim estou é bem contente por cada dia que passa estar mais parecido com meu avô…

António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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