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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Do poeta, escritor, jornalista, Luís Fernando Veríssimo - UM CARA DE SORTE


UM CARA DE SORTE

O casamento do Ney e da Naná ia tão mal que, só para se ter uma ideia, ela mudara sua escova de dentes para longe da escova de dentes dele. Durante anos, os anos de felicidade, as duas escovas tinham ocupado o mesmo copo, juntas, às vezes se tocando. E agora estavam ali, cada uma no seu copo solitário de um lado da pia.
A Naná só dera uma explicação para a mudança:
– Nojo.
– Pô, Ná.
– Não tem pô nem Ná. De agora em diante é cada um prum lado.
O Ney quis saber se a caixa de lenços de papel seria repartida, metade para cada lado também. A Naná respondeu que ainda não tivera tempo para comprar outra caixa de lenços de papel, mas que eles seriam divididos, sim.
– E os nossos remédios, Ná?
– Os seus remédios, você quer dizer. Os remédios que mantêm você vivo, que eu compro e que ocupam todo o espaço desse armário, e não deixam lugar para os meus comprimidos e meus cremes e tudo se mistura. Pois chega dessa promiscuidade. Minhas coisas agora ocupam todo o armário do banheiro.
– E os meus remédios?
– Procura.
– Pô, Ná!
– Você nem sabe que remédios toma. Sou eu que dou. Sou eu que brigo com as farmácias por causa dos preços. Pois chega, está ouvindo? Cansei de cuidar de você.
– Nazinha!
E a cama? Iam se separar na cama também?
– Não – disse Naná. – Vamos separar as camas. E os quartos. Agora que o Rogério saiu de casa você pode ficar com o quarto dele, provisoriamente. Pelo menos até a gente decidir o que fazer com o apartamento...
– Nós vamos cada um para um apartamento também, Ná?
– Você ainda não se deu conta que isso é uma separação, Ney?
– Pô, Ná. Pensei que fosse só as escovas de dente...
Mas aconteceu o seguinte: naquele sábado o Ney se lesionou no futebol de salão. O dr. Amarildo, médico e amigo da família, foi encontrá-los no hospital. Depois de examinar a lesão o dr. Amarildo declarou:
– Você é um cara de sorte.
– Por quê? Não é tão grave assim?
– É grave. Você vai ter de ficar imobilizado por um bom tempo, depois fazer fisioterapia. Sua sorte é ter a Naná do seu lado. É o que todo mundo diz: mulher dedicada ao marido é a Naná.
Naquela noite, estirado na cama, Ney fez um pedido a Naná:
– Nazinha, dá um beijo no gesso, dá. Só um beijinho.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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