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terça-feira, 22 de outubro de 2019

De António Bulcão - Pequeno ensaio sobre os chatos


Pequeno ensaio sobre os chatos

Chatos não faltam por aí.
Não, não me refiro aos bicharocos que desassossegam a roupa interior. Graças a Deus escapei aos ditos, e muitos balneários frequentei, em diferentes espaços.
Falo mesmo de gente. Gente chata. Analisemos alguns tipos.
Há os chatos que nunca se calam. A gente a olhar para o lado, a ficar em silêncio, quando muito a soltar um quase inaudível “pois” e eles sempre em frente, a discorrer sobre os mais variados assuntos.
A gente a bocejar, acreditando que sinal mais claro de que o outro está a ser enfadonho não há, e o chato a continuar, a requerer atenção com toques no nosso ombro com as costas da mão, ou mesmo à cotovelada nas costelas já maceradas do pobre ouvinte, esta táctica sobretudo quando sentados, em casamentos ou baptizados.
Há, depois, os chatos que adoram interromper conversas. A melhor maneira de identificar esta espécie é estar atento às primeiras palavras do chato. São, quase sempre, coisas do género “não querendo interromper”, ou “não te esqueças do que vais dizer a seguir”. Interrompem-nos a nós, quando conversando com eles, interrompem terceiros que estão a conversar uns com os outros, mas sempre bem-intencionados, porque anunciando não querer interromper ninguém.
Há também os chatos que nos contam vezes sem conta a mesma história. Estes nunca entendi se o fazem por qualquer amnésia crónica ou se até sabem que já contaram aquilo antes, mas deliram por nos massacrar. A gente anuncia “já me contaste”, mas eles não querem saber. Pá frente é que é o caminho. “Agora vem a parte melhor”, proclamam, e lá continuam até ao fim, rindo dos capítulos que consideram mais divertidos como se fosse a primeira vez que os contam.
E quem nunca se cruzou com um chato que não sabe contar anedotas? Ou que adora anedotas que não têm piada nenhuma? Contam aquilo em notória alegria, riem montes no fim e admiram-se de mais ninguém rir. Nesta fase, o defeito é sempre nosso. Nós é que não percebemos a piada. E então o contador anuncia: “Não percebeste, pois não? Então vou-te explicar…”. E explicam mesmo. E a gente continua sem rir, porque aquilo não tem ponta por onde se lhe pegue. E eles ficam chateados porque não temos sentido de humor.
Há ainda os chatos que começam a anedota pelo fim, estragando a mesma. Um exemplo: o que diz um elefante quando vê um homem nu? Como é que este gajo levará a comida à boca?”.
Uma pessoa normal conta isto assim. O tipo de chato em análise começa: “Sabes aquela do elefante que vê um gajo nu e se pergunta como ele levará a comida à boca? Ah não sabes? Então vou-te contar…”.
E os chatos que nunca são pontuais? Os que, quando combinamos um encontro, marcam sempre para as três, três e meia e chegam às quatro e tal?
Cruzei-me com montes de chatos, ao longo da minha vida. Chatos de todas as profissões. Mas os piores foram alguns políticos. Um político de carreira já é um chato por natureza. Mas um político de carreira chato chato é quase insuportável.
Geralmente incultos, alguns quase iletrados, a única coisa sobre a qual sabem falar (e mal) é de política. Dizendo asneiras a maior parte das vezes, assumem, no entanto, uma postura séria, dir-se-ia de Estado. Abandonam a sua linguagem simples (afinal agora são importantes) e, procurando palavras difíceis às quais não estão habituados, quase nunca conseguem dizer a palavra que existe realmente.
Lembro-me de ouvir, no plenário da Assembleia Legislativa, um bronco a dirigir-se a outro deputado, muito inchado e a segurar a haste dos óculos com dedos de soberba: “Sem querer contrastar V. Exa…”. Óbvio que queria dizer contestar, mas olha, saiu-lhe ao lado. Ficou com ar satisfeito, como se tivesse arrumado o outro (o contrastado)…
Muito chato tive de aturar. Hoje fujo deles determinadamente. Não tenho tempo para perder com quem existe imbuído na missão de chatear os outros. Prefiro mil vezes ficar sozinho. Porque, na minha solidão, tenho a memória dos não chatos, felizmente a maioria. Os que me acrescentaram alguma coisa, se revelaram sempre interessantes, se renovaram constantemente.
Com toda a sinceridade, mesmo sem ter convivido de perto com os tais bicharocos que causam comichão e mal-estar, preferiria os mesmos aos chatos humanos. Porque para os parasitas que adoram as partes baixas e seus tufos, também conhecidos por PP (piolhos da púbis), há insecticidas…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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