CARTA PARA A MINHA FILHA
Era final do ano de dois mil e dezanove, quando uma doença terrível veio atacar o tio Carlos, o meu irmão. Sempre na expectativa da cura, fez tudo o que estava ao seu alcance, até foi para Lisboa, onde esteve internado a fazer tratamentos. As coisas iam decorrendo mais ou menos, mas a doença era grave, leucemia aguda crónica.
Entretanto, chegou o Natal e o tio Carlos veio passar a Noite de Consoada, a nossa casa, com a sua família. Convidei os outros irmãos e passámos uma noite maravilhosa. Recordamos tempos idos, quando éramos crianças, com muita alegria, até as lágrimas virem aos olhos, de tanto rir. Recordamos a nossa mãe, a avó Inês. Porém, no dia vinte e três do ano seguinte, dois mil e vinte, a morte veio buscar o tio Carlos. Nós choramos tanto que, não tínhamos mais lágrimas para derramar. Foi uma dor enorme. Ficamos inconsoláveis. Tu que eras uma jovem de catorze anos, choraste tanto a morte do tio que, eu julgava nunca mais ter fim. Ficamos todos muito tristes. E os dias que se seguiram, foram de muita dor, desolação e saudade.
Entretanto, chegara o Carnaval, festa de arromba para os terceirenses. Tudo correu dentro da normalidade, embora não tivéssemos alegria para a festa, mas ainda vimos alguns bailinhos através da VITEC e outros canais televisivos. Tu pouco te importaste, só pensavas no tio Carlos, um tio de quem gostavas muito e ele também gostava muito de ti. Sempre que nos víamos no Guarita, às compras, era uma alegria. Cumprimentávamo-nos e falávamos um pouco, dado que ele tinha sempre pressa, a fim de ir para o trabalho, Esquadra da PSP.
Decorridos cerca de dois meses, a vida começou, lentamente, a voltar à normalidade. Fazias projectos para os teus anos, a tua data feliz. E conjuntamente, nós elaboramos um pequeno programa, o qual te agradou bastante. Ficara assim combinado como irias passar o dia dos teus anos.
Mas tudo em vão, pois chegara repentinamente uma pandemia designada Coronavírus-Covid19. Constava de febre alta, dores de garganta, no corpo e alguns espirros, eram alguns dos sintomas. O Covid-19 começara na China, provavelmente no mês de Dezembro de dois mil e dezanove, e, num ápice, propagara-se para todo o Mundo, por isso foi declarado pandemia mundial. O seu contágio era de grande escala, galopante, podendo levar à morte, tendo a OMS chamado a atenção, bem como as entidades governamentais, tomando as medidas necessárias, a fim de evitar a sua propagação. E assim, chegou a Portugal. Ao princípio julgávamos ser uma causa passageira, mas depois, foi recomendado que ficássemos em casa de quarentena profilática, a fim de que, pudéssemos evitar o contágio devido à proximidade das pessoas. Algumas pessoas, inconscientes e inconsequentes, não levaram o caso a sério, e foram tomar banho na praia de Carcavelos. Atitude condenável pelas autoridades e responsáveis pela Saúde.
Naquela altura, o Arquipélago dos Açores, aparentemente, parecia estar salvo daquela pandemia. Mas só aparentemente, pois logo apareceu um caso na Ilha Terceira, onde outros vieram a confirmar-se.
O Primeiro Ministro, António Costa, activou o Plano de Contingência, o que veio a ser aprovado pelo Presidente da República, Marcelo de Sousa. E assim, veio a ordem de encerramento das Escolas, estabelecimentos comerciais, excepto Bancos, Farmácias, superfícies comerciais, ligadas ao consumo alimentar. Ficaram afectos ao serviço obrigatório, todos os profissionais de saúde, desde médicos a enfermeiros, pessoal auxiliar e todos os que trabalham no sector da saúde, além dos Bombeiros.
Nesse ano, o teu avô fez noventa e quatro anos. Pela primeira vez, não estivemos presentes, pois como estavas de quarentena, foi-nos impossível sair de casa. Os dias pareciam intermináveis. Instalou-se um pânico geral. As pessoas, acataram as regras do "ficar em casa" com a convicção de que iriam contribuir para que a pandemia não se propagasse como o previsto...
(continua)
22-03-2020
Graziela Veiga

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