O ALVOR DA INFÂNCIA
Fui à procura da infância que ficou lá atrás, mas nada estava como deixei. Tive vontade de chorar, porém, contive as lágrimas. Sentei-me, acalmei a alma e descansei. Então, comecei a imaginar.
Quem morava onde, quem era quem. E lembrei-me das pessoas que fizeram a minha infância, a felicidade com que eu vivia...era inevitável que não gostasse de lá morar.
Pulei o muro, como sempre fazia, e de repente, estava em casa da minha amiga e vizinha de infância. Sentei-me na soleta de pedra, aquela que ficava junto ao caminho. Havia um aroma de flores pelo ar, pois estávamos na Primavera. E começamos a conversar. Conversas banais, conversas que eram quase nada, mas que diziam quase tudo. Catamos os caracóis nas coroas-de-reis. No curral, os porcos grunhiam, os cachos de flores roxas caiam sobre o chiqueiro e que graça dava àquela moradia, onde tudo encantava. Era branca, caiada de cal, com barras verdes e janelas de guilhotina. E lá estava a minha amiga carregada de gatinhos, todos eles lindos, fofinhos.
- Cuidado! Não abras o portão, para os gatos não irem para o caminho, pode passar algum carro...
Esse dia acabava, quase sempre, com uns bolinhos que a Sra. Isaltina fazia, eram tão bons! Nunca soube a receita, mas era exclusividade da casa daqueles amigos e vizinhos.
No outro dia, a amiga pulava a parede do serrado para a minha casa. Cá, a conversa era outra! Havia mais amigos para brincar. Nós éramos cinco irmãos na altura, mais tarde veio o mais novo, mas já não brincávamos. Juntávamos os quatro irmãos, os mais unidos, aqueles que alinhavam na brincadeira. A complementar este grupinho, ainda vinha o filho do primo do meu pai. Era filho único, e via em nós os seus primos de sangue, aliás, era da idade da minha irmã. Esses dias não tinham cancelas, a brincadeira era até à noite, ou seja, até ouvir as nossas mães dizerem - está na hora! Apesar de tudo, pedíamos sempre para ficarmos mais um pouco, pois a criatividade era tanta que, um dia, uma tarde, nunca eram suficientes para tanta brincadeira.
Por vezes, também descansávamos. E tínhamos conversas "sérias" aquelas que só os adultos têm. Falávamos dos nossos ideais, o que gostaríamos que acontecesse...penso que nunca aconteceu nada do que queríamos, no entanto, aconteceu tudo o que não queríamos, o falecimento dos nossos pais, dos meus irmãos, avós, tios, vizinhos e amigos. A vida por vezes, é tão injusta! Intenta contra a criança que existe dentro de nós. Mas dificilmente consegue, quando o amor, a amizade é sedimentada, nada apagará o que guardamos no mais recôndito lugar do coração.
Tem dias e horas que vivo de saudade, pois são momentos que me marcaram para toda a vida. Sei que não voltarão nunca mais...mas também sei que recordá-los, por vezes, é o suficiente para que a vida faça sentido.
A criança que eu fui, tudo o que vivi, foi o que trouxe comigo, até hoje. Se não tive muitos brinquedos, nunca dei por isso, talvez porque as pessoas eram o mais importantes e dispensávamos acessórios. O que importava estava lá, o restante, era excedente.
Estamos a um dia da Semana Santa, aquela em que estávamos de férias. Naquela altura, era uma semana triste, sobretudo a partir da Quinta-feira Santa. As comidas eram mais pobres, menos agradáveis, as limitações de brincadeira eram maiores. Eram dias mais vividos em família. Até que chegava o Dia de Páscoa. Voltava a alegria. Íamos à missa e durante a tarde, regressava a brincadeira, pois logo, logo, as aulas iriam recomeçar. Mas não fazia mal, pois já tínhamos encomendado as tardes, e essas seriam nossas, só para brincarmos... Ah infância que não passa! Ela vive dentro de mim, e eu quero-lhe tanto!!!
28-03-2020
Graziela Veiga

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