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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Da escritora Graziela Veiga - INOCÊNCIA

INOCÊNCIA

Embora reconheça alguns dos meus defeitos, tenho um orgulho danado em mim. A maturidade que me acompanha, sem perder a ousadia e a inocência da menina que fui. Ao mesmo tempo, a intensidade e a serenidade com que vivo a vida, ainda que bastante abalada, por vezes, conservo a capacidade de ser feliz. Há em mim a esperança, aquela que não deixa a dor ficar por muito tempo. A vontade de amar, perdoar, ajudar, confiar, de me fazer confiável.
Sinto um orgulho danado em tudo o que me tornei, orgulho da minha essência, na criança que trago dentro de mim, aquela que de quando em vez, acredita na inocência das pessoas e espera um mundo melhor, porque os inocentes são desprovidos de malícia, por isso, a felicidade habita nos seus corações.
Por norma, pensamos que todas as pessoas usam de velhacaria, porém defendo que nem sempre é assim. Eu acredito nas boas intenções das pessoas, e tento afastar-me, sempre que comprovo o contrário. No entanto, não quero perder a minha inocência, mas preservo-me de sair por aí, de forma a não entregar a qualquer um aquilo que tenho de muito valor, "a confiança".
Por vezes, gostaria de regredir no tempo, antes que fosse só para sentir novamente aquele sabor da inocência de menina, o calor da alegria, os valores da Infância, aqueles que não têm mácula, até que, algum adulto mal intencionado os destrua.
Queria reviver aqueles momentos que me fizeram chorar de rir, voltar a sentir a urina escorrer-me pelas pernas abaixo, (lembras-te Conceição?), naquela fase em que a única preocupação era pintar desenhos, e de vez em quando, ficar desorientada à procura da cor que me faltava...queria sentir novamente a energia dos abraços, a sinceridade do sorriso, a sintonia dos pensamentos.
Também queria sentir de novo algumas dores, fraquezas e angustias, as saudades que senti, os meus silêncios mais profundos e choros mais tristes...reviver cada passo, sem nada mudar, se não fossem estes momentos mais complexos e críticos, cada instante, ainda hoje, não teria a doçura e a agressividade nas palavras, a insegurança em cada frase, a pureza em cada linha, não teria a subtileza e a força para continuar a escrever.
Apenas num simples olhar, a inocência pode dar-nos o que mais necessitamos naquele momento em que a nossa já acabou, quando perdemos a esperança, e deixamos de acreditar no espírito de confraternização.
A inocência faz com que acreditemos num futuro sempre melhor, onde todas as pessoas são iguais, onde todos somos felizes...queria que todas as pessoas usassem o coração para conservarem estes valores, a inocência e a alegria, a fim de experienciarem quanto amor podem receber e dar a todos que estiverem à sua volta.
De tudo o que vivi e apreendi, é que a beleza e a inocência de acreditar como quando era criança, jamais voltará. Os sonhos sonhados na frescura da juventude, nem sempre se tornam realidade. A realidade e o compromisso da vida adulta, torna-nos naquilo que somos hoje. Ao longo da vida, passamos da inocência para a esperança, da esperança para a realidade, aquela que nos leva a sobreviver e a viver...
Das lembranças que trago comigo em "flashes", a melhor lembrança que guardo com alguma nostalgia, é aquela que ficou lá atrás, a criança que fui. Aprendi que o tempo é finito, único, e que, a memória é fugaz, mas o sentimento é profundo...

23.07.2020
Graziela Veiga

Nota: Hoje, faz seis meses que o meu querido irmão Carlos partiu.
Este texto é dedicado a ele, pela infância maravilhosa que vivemos juntos...por tudo o que partilhamos, estará eternamente no meu coração. Saudades sem fim...
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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